sábado, 31 de março de 2018

Inspector Akane Tsunemori - Vol.1

Fala galera, tudo bem? Um dos meus animes favoritos ganhou um mangá que está sendo vendido pela Panini Comics: Psycho-Pass! 

No mangá, o nome do anime aparece como uma espécie de sub-título.

Descobri que o volume 2 tem previsão de lançamento para a próxima quinta-feira, 5 de abril. Não descobri essa informação pelo site da Panini, e não encontrei o anime no catálogo num primeiro momento, o que eu estranhei, mas eis a razão! O MANGÁ NÃO RECEBEU O NOME DO ANIME, E SIM O DA INVESTIGADORA AKANE TSUNEMORI!!!! Eu estava procurando o mangá na letra "P" da ordem alfabética, quando na verdade deveria procurar na letra "I". E não, o cara da foto não é Akane Tsunemori, é o caçador Shinya Kougami. Essa confusão de capa e nome me lembra das pessoas que acham que Zelda é o loirinho de roupa verde, e neste ponto, acredito que se o nome do mangá é o da investigadora, ainda que não seja necessário que ela apareça em toda capa, que ao menos na primeira isso acontecesse.

Bem, pelo visto serão lançados 6 volumes do mangá, e, embora eu tenha assistido boa parte do anime, vou me ater ao que for revelado a cada volume! Começando pelo primeiro, que nos apresenta a Investigadora Akane Tsunemori e os Caçadores do Departamento de Investigação Criminal da Agência de Segurança Pública e Ministério da Saúde e Bem-Estar. Como estudante de Direito, é interessante ver uma história onde Segurança Pública e Saúde estão intimamente ligadas, levando em conta que no Brasil são analisadas separadamente.

Isto se dá porque a história gira em torno de uma sociedade, cujo crime é prevenido para não ser combatido. Segurança Pública é uma questão de saúde!!! Através do Sistema Sybil, analisa-se o estado mental das pessoas a fim de identificar criminosos latentes. Através de uma análise do seu Psycho-Pass, poder-se-ia apurar que, ainda que um indivíduo não cometesse um crime, viria a cometer no futuro, o que possibilita ao Departamento sua apreensão e tratamento psicológico a fim de restabelecer a saúde  mental.

A Investigadora Akane é apresentada como uma jovem recém saída do colégio, e única qualificada para o cargo de investigadora, em razão das notas e do seu Psycho-Pass. 

Sem dar spoilers (mas dando), me limito à duas informações importantes já reveladas no primeiro mangá: a primeira é que embora considere-se irreversível o quadro de um indivíduo, Akane conseguiu a  reduzir o stress psicológico de uma vítima que sofreu Psicho-Hazard elevado (o stress de um crime torna a vítima ou investigador um criminoso latente), a ponto de mudar o modo de operação do Dominator do tiro letal para paralisante.

Akane demonstra que o Psycho-Hazard pode ser temporário.
Se o nível do Psycho-Hazard é temporário, não necessariamente faz com que o sistema Sybil esteja errado, mas sim que o investigador tem a possibilidade de nem sempre executar a sentença do sistema. O alvo não deixa de ser um criminoso latente, mas talvez a execução não seja necessária, o que mostra uma falha de critérios no oráculo.

A outra, é o próprio conceito de Psycho-Hazard, ou Risco Psicótico, gerado pela insegurança e terror de um crime. A primeira vítima começou com níveis que impossibilitaram a Dominator de disparar em sua direção, e algumas páginas a frente a Dominator ativou o modo execução. É revelado que foi o Psycho-Hazard que fez com que um dos Investigadores se tornar-se um Caçador, e por esta razão Akane a todo momento é aconselhada (mesmo pelos caçadores) a não se envolver demais, e deixar o caso com eles. 



Os traços do desenho são muito bons, mas deixam a desejar em alguns momentos. Se eu não tivesse assistido o anime, algumas cenas seriam difíceis de compreender só pelo mangá. Por outro lado, o desenho não apela para sexualidade, e mesmo para uma riqueza de detalhes. Temos como exemplo, que a cena inicial do estupro da jovem não aparece de forma explícita no mangá, ficando subentendida. 

A história é inteligente! Apresentar e questionar um sistema criminológico que busca criminosos latentes, e a consequência desse sistema na vida das pessoas é genial! Tanto as vítimas quanto os criminosos latentes são pessoas apresentadas sob grande stress psicológico em estar dentro dos padrões regulares do sistema. Isso é apresentado pelas amigas de Akane, que questionam as qualificações dadas pelo Sybil para a vida profissional de cada uma (sim, as profissões são analisadas pelo perfil e Psycho-Pass) e os gastos financeiros para manter o medidor psicológico numa boa média.

Aguardo ansiosamente pelo próximo volume, e pelas novas descobertas!!! O primeiro volume termina com mais um questionamento quando ao Risco Psicótico, apresentando um possível homicida capaz de diminuir o seu Psycho-Pass após a prática do crime!

O que dizer sobre.... As Relações Perigosas

"Quem deixaria de estremecer pensando nas desgraças que pode causar uma só relação perigosa! E quantas mágoas se evitariam refletindo mais nisso! Que mulher não fugiria às primeiras palavras de um sedutor? Que mãe poderia, sem tremer, ver outra pessoa que não ela falar à sua filha? Mas estas reflexões tardias só nos ocorrem depois do acontecimento; e uma das mais importantes verdades, como também uma das mais geralmente reconhecidas, permanece abafada e sem utilidade no turbilhão de nossos costumes incoerentes."



Esse é o trecho da última carta escrita pela Sra. de Volanges no livro que trarei as impressões hoje: As Relações Perigosas, de Chordelos de Laclos.

Eu de fato pensei a mesma coisa lendo a obra do autor francês (que escreveu exatas uma obra), e começo recomendando que todas as jovens, se possível, leiam esse livro em sua mocidade. Os relatos das aventuras do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil são de causar indignação!

Alguns podem atribuir minha indignação à proposta inicial do Visconde de Valmont, em razão da minha cosmovisão cristã. Bem, isto não deixa de estar correto, o que me faz imaginar o efeito do livro na sociedade da época em que foi escrito! A moral que a mim é restrita somente à religião, no século XVII era o critério do homem médio, e regia toda a sociedade!!!

Sendo bem sucinto, a trama gira em torno de seis personagens principais, e é baseada na correspondência dos mesmos, todas em posse da família Resemonde. As cartas teriam chegado até o autor, que as organizou e compilou aquelas aptas a moldar a trama. Choderlos tem como obra este único livro, e, embora não tenha me aprofundado, discute-se a autenticidade das cartas. Ao tempo em que o autor lançou o livro, este foi mal recebido pela sociedade francesa, que recusava-se a crer que tal imoralidade seria possível.

O Visconde de Valmont e a Marquesa de Merteuil são dois amantes devassos, que desafiam-se a ter relações perigosas, ou seja, relações sensuais e sexuais fora dos padrões sociais e das relações conjugais, sem serem descobertos, ou com objetivo de corromper pessoas a fim de expô-las a sociedade, a fim de a máscara de moralidade seja rompida.

Gostei particularmente da ideia de um livro escrito através de uma compilação de correspondências. É incrível como conseguimos construir um verdadeiro filme (e de fato há um filme!) através da leitura de cartas. Verdadeiras ou não, as cartas interligadas constroem uma trama extremamente atraente!

Desta forma, analisarei cada um dos sete personagens principais, a fim de construir as minhas considerações de acordo com as peculiaridades da trama individual de cada um, começando pelos menos influentes, até aqueles que seriam as grandes mentes das relações.

Sra. de Rosemonde

Não há muito a se falar dela, que em toda a trama teve o papel de confessora da Presidenta de Tourvel, o qual encontrava-se hospedada em sua residência no campo, e na qual as relações perigosas desenvolveram-se. A senhora de Rosemonde é aquela com a qual todas as cartas ficaram no final das tramas pessoais de cada personagem.

É em razão deste fato, que merece destaque que as consequências quanto aos destinos do Cavaleiro Dánceny e de Cécile Volanges não tiveram pior destino. Antes de mais nada, embora a Sra. de Rosemonde houvesse percebido que a Presidenta de Tourvel fora embora de sua casa por sua paixão por Valmont, no que diz respeito a este personagem, os laços familiares impediam que a mesma encontra-se nele as culpas que já eram conhecidas por toda sociedade.

É em razão disto que, apos o duelo entre Dánceny e Valmont, com o óbito deste último, a Sra. de Rosemonde pretendeu levar o caso à justiça e denunciar Dánceny pela morte de seu sobrinho. A recusa de seu preposto em realizar a ordem e dar mais publicidade ao caso, de forma que compromete-se a própria imagem de Valmont deu tempo para Dánceny entregar as correspondências que estavam em sua posse, para que julgasse se deveria dar continuidade ao caso. Desta forma a Sra. de Rosemonde foi responsável pela integridade de Dánceny tanto socialmente, ao não dar publicidade à sua relação com a Marquesa de Merteuil, bem como suas condutas consideradas impróprias em relação a Cécile.

Quanto ao seu papel no destino de Cécile foi bastante discreto! A Sra. de Volanges em determinado momento solicita conselhos acerca das razões de Cécile para ingressar no convento, bem como se deveria intervir em tal decisão. A Sra. de Volanges, que já sabia as razões de tal decisão, aconselhou sua amiga a não questionar os motivos, nem intervir na decisão da filha. Ao fazer isso, preservou não apenas a alegria da amiga, como também o destino da filha que, caso não ingressasse no convento, deveria casar-se com Gecourt, que logo que descobrisse que sua esposa não havia preservado-se e a notícia fosse espalhada, iniciaria um escândalo que condenaria a pequena ao martírio público. .

Sra. Volanges

O papel da Sra. Volanges  mais agravou as intenções dos dois devassos do que teve influência positiva sobre a vida da sua filha. A Sra. Volanges era amiga pessoal da Presidenta de Tourvel, e por diversas vezes alertou a mesma acerca da fama do Visconde Valmont. Seu papel limitou-se a esta tentativa, bem como a dar notícias à Sra. de Rosemonde acerca das últimas notícias sobre a Marquesa de Mertueil.

A Sra. Volanges era amiga da Marquesa, de forma que fora enganada por ela, a fim de que os planos de corromper Cécile fosse frustrados. Ao ver a tristeza da filha, que julgou ser em razão do impedimento de casar-se com Dánceny e do afastamento para a casa da Sra. de Rosemonde a fim de que a filha o esquecesse, a mãe questiona a Marquesa acerca da possibilidade de casar Cécile com Dánceny, abrindo mão da conveniência do casamento pela escolha do coração da filha. A Marquesa de Mertueil levou-a a crer tratar-se de um capricho da menina, e que a mãe não deveria ignorar seu senso sobre o que seria melhor para a filha.

Valmont descobriu que era a Sra. de Valmont que estava interferindo nas suas investidas sobre a Presidenta de Tourvel, e em razão disto decide atirar-se sobre a filha, como vingança pessoal pelas dificuldades que a mãe estava gerando na conquista de seu objetivo.

Deixa de ter influência junto a Presidenta de Tourvel, que somente restabelece as correspondências após cair nos laços de Valmont. Podemos inferir, portanto, que esta personagem está intimamente ligada às decisões e pensamentos racionais da Presidenta, que cessou as correspondências exatamente por não querer receber oposição ao que havia se tornado objeto do seu interesse. Creio que a Presidenta não cessou os contatos por não crer na veracidade do que a amiga dizia, mas simplesmente para ignorar o que era fato e ter razões para não se aproximar do amante.

Cavaleiro Dánceny

Dánceny é um jovem rapaz que visitava a casa da Sra. Volanges, apaixonando-se por sua filha Cécile. É jovem e apaixonado, tendo como característica primaz a ingenuidade. Tamanha ingenuidade que beira a má-fé, visto que, se por um lado acatou a decisão da Sra. de Volanges de afastar-se de sua filha, logo encontrou meios de manter as correspondências com a mesma.

De fato o amor não quer ver distâncias, e para este não há obstáculo que não possa ser transporto com um tanto de empenho. Entretanto, a marginalidade da relação dá a Dánceny contornos de malícia, visto que começou a exigir de Cécile um encontro, e, se hoje é de senso comum que a distância aumenta o desejo de estar junto, e o desejo diminui a prudência, seria inocência não do personagem, mas do leitor, pressupor que as intenções de Dánceny eram meramente o poder declarar-se pessoalmente para sua amada.

Tal opinião encontra amparo no fato de que esse tipo de declaração não ocorrera enquanto estavam próximos em qualquer momento, e as cartas foram sempre a forma de declarações do casal. Outro fato a ser considerado, é que bastaria a prudência para reaproximar-se de Cécile, de forma que o casal dissimulasse o fim do amor pela constância da amizade.

Ocorre que Dánceny a este momento já era amante da Marquesa de Mertueil, de forma que já vivia uma relação perigosa com a mesma, estando disposto, assim como Cécile, a começar outra, independentemente do casamento desta com Gercout. Isso fica evidente, visto que, em carta alguma, embora Dánceny fale de amor, jamais fala de casamento.

E é nesta enganosa auto-imagem de um homem perspicaz que na verdade ele é enganado por Valmont, que levava e recebia as correspondências dos amantes. Valmont o faz declarar a necessidade de incitar Cécile a dar a chave de seu quarto para que este pudesse levar as cartas para ela a noite, enquanto todos dormiam. Em razão do aval do amado, Cécile é estuprada por Valmont, e passa a viver uma relação perigosa com ele.

Dánceny também é enganado pela Marquesa de Mertueil, a fim de alimentar seu ego. É em razão disto, que, após a loucura da Presidenta de Tourvel, estando Cécile sem a vigilância da mãe, em momento algum Dánceny pretendeu o encontro que até então era tão esperado. A Marquesa conseguiu mostrar que a amante era mais desejada que a amada, na medida em que, envolto nos favores sexuais e mimos por parte da amiga e amante, ele ignorava o seio da mulher amada. Dánceny só atentou para a realidade que passara a ignorar a amada quando alertado por Valmont, que longe de ser filantropo e usar da amizade, queria apenas vingar-se da Marquesa, vendo-a ser colocada como a segunda opção de um homem.

Dánceny é o reflexo da visão machista da sociedade, visto que, ao tomar conhecimento da relação de Cécile e Valmont (a forma da Marquesa vingar-se do encontro frustrado), este o desafia para um duelo, mata o rival e depois de um período afastado da sociedade, para não sofrer as consequências do ato, vai embora. Onde está o machismo? Dánceny entrega toda a correspondência de Cécile e a que Valmont o entregou antes de morrer para a Sra. de Rosemonde, e diz não poder aceitar a traição de Cécile, casando-se com ela (o que a Sra. de Volanges pretendeu novamente como opção para não ver a filha no convento). Ora, o mesmo Dánceny que vivia uma relação perigosa com a Marquesa!

Ao menos uma boa consideração pode ser feita sobre o personagem, é que este é responsável pelo desagravo de Prévan, ao entregar para a sociedade francesa a carta na qual a Marquesa narrava a cilada feita para o mesmo, o que possibilitou a sua reabilitação no regimento militar e na sociedade. Após isto, partiu para Malta.

Cécile Volanges

A pequena Cécile é apresentada como uma jovem recém saída do convento, que apaixona-se pelo Cavaleiro, sendo informada posteriormente sobre seu casamento com Gecourt.A inocência de Cécile não é uma questão inerente ao seu espírito, e sim a falta de experiência. Visto que o diabo só nos tenta naquilo que já há em nós, fica claro que a tentação de Cécile revela sua predisposição para a devassidão.

Cécile é enganada pela Marquesa, que pouco a pouco ensina-a sobre as relações perigosas que poderia compor. Vemos isto acontecer de forma gradual, o que revela que os grandes pecados são resultados das pequenas conveniências; que as ardentes paixões ardem mediante pequenas permissões. Primeiro ela se permite confessar amor a Dánceny, o que não era conveniente para uma mulher. Depois ela se permite corresponder em segredo em nome do amor. Para receber as correspondências ela se permite dar a chave do quarto para Valmont; para não ser descoberta, ela tem sua primeira relação com Valmont; com a primeira relação, ela se permite viver os prazeres de uma relação perigosa com Valmont, estando convicta que o casamento com Gecourt não impediria os encontros de Dánceny.

A primeira relação de Cécile e Valmont mudam por completo a pequena Volanges, o que é percebido por sua mãe, que atribui a tristeza da filha ao amor impedido. Na verdade, o sofrimento era em decorrência de que Cécile havia sido estuprada na noite anterior, e, a fim de que não resistisse, foi ameaçada de que seria desonrada, visto que ela mesmo havia entregue a chave, o que demonstraria que ela convidou o Visconde para entrar. É neste contexto que vemos Cécile experimentar, junto a dor de ser violada, lapsos de desejo pela violação, os quais narrou para a Marquesa. Portanto, fica evidente que Cécile não era dotada da inocência atribuída, visto que, seu pesar não foi a violação, mas a vergonha gerada por ela, que cessou logo que a Marquesa a declarou ser um privilégio sentir prazer sexual, ainda que fora do casamento, e sem ser com o homem amado.

Em pouco tempo, para Cécile, prazer sexual e amor tornam-se duas coisas diferentes e desvinculadas. Comprazia-se no prazer sexual com Valmont, sem que para ela o amor de Dánceny fosse menor. Passou a permitir-se o sexo sem amor, visto que o amor lhe era negado. Isto fica evidente no fato de que Cécile pretendia ficar com seu Cavaleiro, mas em momento algum pretendeu não casar com Gecourt.

Cécile no curso da história engravida de Valmont, em razão dos encontros noturnos, vindo a abortar após um acidente gerado por um descuido durante uma das relações com Valmont, que gerou estresse e fortes dores. Um médico em segredo visita-a durante a madrugada e informa sobre a gravidez e perda do bebê, que são recebidas com indiferença pela personagem. Isso só deixa claro a que grau de devassidão a personagem estava entregue, que, recebendo a notícia da maternidade, não sentira amor; ao receber a notícia do aborto, não sentira a tristeza.

A história de Cécile termina com o convento. Após a morte de Valmont e desonra da Marquesa, a pequena foge para um convento, e o livro termina com sua ordenação à freira. Podemos pressupor que tomou conhecimento dos planos da Marquesa. Há de se pensar também que a morte do amante pelas mãos do amado tenha sido a razão do ingresso na vida religiosa.

Presidenta de Tourvel

Hospedada na casa da Sra. de Rosemonde em razão de uma viagem de negócios de seu marido, a Presidenta passa a ser objeto de desejo do Visconde de Valmont. A Presidenta de Tourvel representa a moralidade e religião em seu estado mais intenso e puro, o que se torna o desafio maior do Visconde. Para Valmont, tratava-se de mostrar aos demais concorrentes e mulheres, que era tão bom amante e sedutor, que seria capaz de corromper a mulher mais devota e moral.

A trama de Valmont era tornar-se seu novo deus, sua razão de existir. E, após a conquista, abandonaria a mulher. A Marquesa por diversas vezes duvidara de Valmont, visto que para esta, os valores da fé eram de grande intensidade para a Presidenta que, se por amor a Deus não resistisse ao conquistador, o faria pelo temor ao diabo. Valmont, em contrapartida, queria provar que poderia tornar a seu amor mais forte que a sua culpa.

Confesso que, ao ver a resistência e resoluções finais da Presidenta de Tourvel, tive esperanças de que a mesma não cederia aos encantos do Visconde. Entretanto, posso afirmar que a queda da Presidenta, assim como a de Cécile, começou com pequenas concessões.

A primeira delas, a concessão do ego. A Presidenta julgou-se dona de si e portadora do controle que o Visconde dava a mesma, de forma que sua queda começou na medida em que negociava uma amizade com Valmont. E por julgar-se tão dona de si, entrou no jogo do Visconde, confiando na sua própria resistência.

Conforme a Presidenta foi atraindo-se por Valmont, entrava em uma floresta cada vez mais densa. Bastava parar a caminhada, mas a Presidenta era orgulhosa demais para isso. De repente ela cessa as correspondências com a sua melhor amiga, que lhe apresentava a realidade sobre Valmont. Depois passa a permitir que Valmont lhe envie correspondências, e por fim lhe permite uma visita em sua casa quando não havia ninguém. Neste momento, é possível dizer que a Presidenta já desejava o desfecho da história, não tratando-se de mero fortuito. Afinal, uma mulher casada não deve receber um homem que ela sabe apaixonado por ela, e que ela encontra-se igualmente apaixonada, em casa e sozinha.

A Presidenta de Tourvel perde a sanidade, adoece e morre hospedada também em um convento. Após descobrir a verdade sobre Valmont, a dor lhe é grande, e foge para o convento a fim de se esconder do amante e de seus pecados. Vemos, portanto, que busca na devoção e fé reestabelecer sua sanidade e esquecer o amante. Não contava em receber uma carta de Valmont, que agravou seus nervos, e, após tomar conhecimento da morte do mesmo no duelo com Dánceny, morreu também.

Visconde de Valmont

Valmont é o segundo em importância das tramas que se desenrolam, e a minha maior razão para recomendar este livro a qualquer pessoa. Não por sentir prazer ao ler suas façanhas, mas por ele ser capaz de demonstrar que as piores intenções podem ser escondidas nas melhores condutas. Cada decisão e atitude de Valmont esconde um objetivo.

O objetivo inicial de Valmont era conquistar a Presidenta de Tourvel, e, logo após, dispensá-la e desonrá-la publicamente, a fim de concluir mais um êxito. É um homem que sabe jogar com as palavras e pessoas, o que se demonstra na estima que possui junto a sua tia e no seu carisma. Valmont não poupou esforços no seu empreendimento, valendo-se de suborno, fraudes, filantropia e mesmo uma falsa intenção de converter-se ao Evangelho. Com esta última, através do padre confessor da Presidenta, este a convenceu que um encontro para pedir perdão era necessário para iniciar a vida de devoção de Valmont. Em sentido contrário, já sabendo que a Presidenta o amava, este finge a despedida, após a qual ela lança-se em seus braços, consumando os planos de Valmont. Prova, ao final, que não só estava certo que conquistaria seu alvo, quanto que substituiria sua devoção pela total submissão "da sua pudica". Embora a Presidenta sofresse moralmente, a ideia de que fazia Valmont feliz sobrepunha o sentimento de culpa e, em pouco tempo, a relação perigosa inicia.

No desenrolar desta história, Valmont usa um de seus servos para extraviar a correspondência da Presidenta antes que esta fosse entregue aos destinatários originais, e desta forma descobre os alertas da Sra. de Volanges. Movido por vingança pessoal, aceita um pedido inicial da Marquesa, de começar uma relação perigosa com a pequena Cécile Volanges, a fim de reduzir a mãe à vergonha pública. Valmont engana Dánceny e Cécile, fazendo-se de amigo para facilitar sua investida, e, após atacar Cécile em seu quarto, inicia com ela uma relação. É certo que em determinado momento Valmont informa a Marquesa de que a vergonha do futuro marido de Cécile seria maior, visto que estava certo de sua gravidez, o que se confirmou com o aborto informado algumas cartas depois.

A tragédia final de todos os personagens tem base em dois fatos sobre Valmont. Primeiro, que este se apaixonara pela Presidenta, de forma que, longe de a difamar, começou a ter uma relação estável com ela, mesmo negando esse amor a todo momento. E o segundo motivo, a guerra declarada contra a Marquesa. Sob as provocações dela, dispensou a companhia da Presidenta em uma noite, a fim de provar que não a amava, o que não contava era que esta, por uma trama do destino emparelharia sua carroça com a dele na cidade, descobrindo-o com outra mulher. Por esta razão a Presidenta enlouqueceu no convento. Quanto a declarar guerra com a Marquesa, ao humilhá-la na trama de Dánceny, esta o expôs ao jovem, que o matou em um duelo.

Creio que Valmont só tenha sido nobre em sua morte, entregando para o Cavalheiro todas as correspondências que trocou com a Marquesa, aptas a desagravá-lo junto a sociedade caso acusado do seu assassinato, bem como demonstrar que a amiga e amante do jovem era a autora de toda uma trama para o prejudicar. Com isto, Valmont acaba dando as provas da inocência de Prévan do crime imputado ao mesmo.

Marquesa de Mertueil

Esta é a grande imoral de toda a história, mais ainda do que Valmont! Este ainda tinha nela uma ilusão de igualdade e parceria, enquanto a Marquesa também o manipulava, pelo desejo que o Visconde tinha de deitar-se novamente com ela. Valmont era apaixonado por sua amiga, o que acabou sendo uma motivação a mais para tentar conquistar a Presidenta, visto que a Marquesa prometera uma noite com ele caso obtivesse êxito. A Marquesa escondia-se sob a estima das mulheres mais recatadas da sociedade, com uma imagem de prudência e castidade.

Esta personagem é tão calculista, que, caso uma relação perigosa lhe fosse imputada, seria impossível provar, e, não haveriam pessoas de renome que duvidassem de sua inocência. Fica claro em uma das cartas que, embora fosse amante de Valmont, quando a sociedade francesa tomou conhecimento disto, Valmont ficou com a fama do insucesso, sendo considerada a mulher que resistiu a suas investidas. Isto mostra que tanto Valmont quanto a Marquesa eram bons em esconder seus aliados.

Diferentemente de Valmont, que teve Cécile apenas como uma trama secundária, a Marquesa tinha a pequena como seu plano principal. O objetivo era fazer da pequena Volanges sua discípula, ensinando tudo que sabia sobre manipulação e dissimulação. Para tal objetivo, far-se-ia de amiga da menina e conselheira, a fim de ajudar na relação com o Cavalheiro.

É ela quem incita a pequena a declarar seu amor, a cogitar uma relação perigosa com o Cavalheiro mesmo não casando com ele, e que, após o estupro de Cécile, convence-a de ser uma dádiva a possibilidade de manter a relação com o Visconde. Fazia-se de amiga da mãe, enquanto corrompia a filha. Quanto ao jovem casal, era a amiga da moça, e amante do rapaz.

Tamanho era o prazer da Marquesa em dissimular e enganar, que, para provar sua superioridade, tramou um encontro com um famoso conquistador da época, rival de Valmont, dando acesso ao seu quarto. Quando este lá ingressara, simulou que fora uma invasão e tentativa de estupro, que teve como consequência a expulsão de Prévan da sociedade e sua prisão militar, sem que qualquer dúvida tenha recaído sobre ela. Por mero prazer, enviou um homem para prisão.

A Marquesa é extremamente orgulhosa e narcisista, e por essa razão passa a manipular Valmont, que passara a mostrar mais interesse pela Presidenta do que por ela, ainda que implorasse por uma noite ao lado dela. Fazendo-o pensar que teria uma noite com ela, e escarnecendo da suposta submissão do galã à alguém que não deveria ser importante, e sim uma mera conquista, foi responsável por induzir Valmont a distratar a Presidenta. E, com orgulho ferido por Cécile ter tido a preferência do Cavaleiro, a quem passara a desejar muito como amante, expôs para este a relação perigosa que Cécile vivia com o que então era seu melhor amigo.

Ao final, quando Dánceny expõe as cartas que a Marquesa trocava com Valmont, a sociedade passa a repudiá-la (com direito a vaias e humilhação pública em um baile), ela perde um processo que leva-a à falência e foge de seus credores completamente desfigurada. Ocorre que a Marquesa foi acometida por varíola, ficando desfigurada e perdendo um olho durante a recuperação da doença.

O livro termina, portanto, com dois mortos, uma foragida e uma freira. Não sabemos os acontecimentos que sucedem a história, ficando em reticências o destino final de Cécile e Dánceny. Quanto a este último, é certo que deixara de amar Cécile quando tomou conhecimento da relação com Valmont; quanto a Cécile, há razões para eu crer que já não amava o Cavaleiro, mas sim o seu amante falecido. 

quinta-feira, 29 de março de 2018

Devocional: Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos! (Mt 27:25)

Meu Pai, o povo clamou teu sangue!  Movidos por violenta paixão, clamaram a responsabilidade pelo teu sangue, desde que o vissem derramado!

Tua morte fora tão desejada por eles, que ofereceram sua descendência como ré junto deles, não se importando de ver seus filhos culpados e sujeitos às consequências!

Pai, eles não se oporiam a enfrentar o vingador do Teu sangue, e a este entregariam suas crianças, tamanha a vontade de ver-Te na cruz!

Ah, meu Pai! Se soubessem quão aprazível é ter o Seu sangue sobre eles, e quão abençoados serão os filhos deles se tiverem a mesma sorte! Pois Teu sangue não traz a perseguição do vingador, nem a sentença de morte da Lei.

Teu sangue derramado é a remissão no próprio crime a remir; a inocência declarada na culpa! Pai, ainda desejariam Seu sangue se soubessem o valor que tem?

Pois eu o quero, Senhor. Não amo ser culpado por ele, mas por ele ser também alvo do Teu perdão, Pai! Teu sangue que cobre meus umbrais evitando a morte eterna de minha alma, Cordeiro Santo de Deus!

Quero-o sobre mim, humilhado por saber que não pode ser de outra forma, e que nada posso fazer sobre isso! Tua morte venceu a morte! Compraste-me pelo preço imensurável do seu sangue!

quarta-feira, 21 de março de 2018

Quais são as qualificações dos presbíteros?

No artigo anterior eu havia falado para vocês acerca dos presbíteros e suas funções. Mas de qual forma tais homens são selecionados (ou ao menos deveriam ser) para o exercício do governo da igreja? A escolha de um presbítero não se dá levando em consideração critérios humanos como influência social, eloquência, posição hierárquica no trabalho ou o valor do dízimo devolvido ao Senhor.

Assim como a vida de cada cristão deve refletir a santidade de Deus, o governo da igreja também deve fazê-lo, de forma que os critérios para eleição dos líderes da igreja levam em conta os atributos comunicáveis do Senhor e a evidência dos frutos do Espírito na vida do candidato à presbítero. Tais características são apresentadas nos texto de I Timóteo 3:1-11 e Tito 1:6-16, transcritos abaixo para consulta do leitor: 

Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja.
Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar;

Não dado ao vinho, não espancador, não cobiçoso de torpe ganância, mas moderado, não contencioso, não avarento;
Que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia
(Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus? );
Não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo.
Convém também que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em afronta, e no laço do diabo.
Da mesma sorte os diáconos sejam honestos, não de língua dobre, não dados a muito vinho, não cobiçosos de torpe ganância;
Guardando o mistério da fé numa consciência pura.
E também estes sejam primeiro provados, depois sirvam, se forem irrepreensíveis.
Da mesma sorte as esposas sejam honestas, não maldizentes, sóbrias e fiéis em tudo.
(I Timóteo 3:1-11)

Aquele que for irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha filhos fiéis, que não possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes.
Porque convém que o bispo seja irrepreensível, como despenseiro da casa de Deus, não soberbo, nem iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe ganância;
Mas dado à hospitalidade, amigo do bem, moderado, justo, santo, temperante;
Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes.
Porque há muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão,
Aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância.
Um deles, seu próprio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos.
Este testemunho é verdadeiro. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé.
Não dando ouvidos às fábulas judaicas, nem aos mandamentos de homens que se desviam da verdade.
Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu entendimento e consciência estão contaminados.
Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra.
(Tito 1:6-16)

Os textos acima apresentam um rol de qualidades a serem observadas nos candidatos ao episcopado, e, tomando como referência a listagem apresentada no livro "Eu sou chamado?", de Dave Harvey, elenquei 11 características, que são:

  1. Não ser neófito (I Timóteo 3:6)
  2. Ser santo e irrepreensível (I Timóteo 3:2 e Tito 1:6-7)
  3. Ser esposo de uma só mulher (I Timóteo 3:2 e Tito 1:6)
  4. Ser temperante e sóbrio (I Timóteo 3:2 e Tito 1:6)
  5. Ser respeitável e ter bom testemunho dos de fora (I Timóteo 3:2,7)
  6. Ser hospitaleiro (I Timóteo 3:2 e Tito 1:8)
  7. Ser apto a ensinar e fiel à Palavra (I Timóteo 3:3,8 e Tito 1:7)
  8. Não ser intolerante ou arrogante (Tito 1:7) 
  9. Não ser amante do dinheiro e nem cobiçoso de ganho desonesto (I Timóteo 3:3,8 e Tito 1:7)
  10. Governar bem a sua casa, tendo filhos obedientes que são crentes e não abertos à acusação de dissolução ou de insubordinação (I Timóteo 3:4-5 e Tito 1:6)
  11. Não ser dado vinho (I Timóteo 3:8 e Tito 1:7)

Cumpre ressaltar que ter tais requisitos não necessariamente significa que um homem deve ser presbítero, nem que a ausência de alguns deles evidencie que um homem não tem tal chamado. Aliás, essa é a palavra a se observar: Chamado.

As características acima são parâmetros com os quais podemos identificar um homem chamado ao presbitério e ao pastorado, e não possuir todas elas não significa que um homem não tem o chamado de Deus, e sim que precisa desenvolver as demais qualidades durante a sua caminhada com Cristo. Aliás, visto que refletem a perfeição de Deus, tais qualidades devem ser buscadas por todo e qualquer cristão no curso da sua vida.

Não ser neófito

O presbítero não pode ser um novo convertido. Tal disposiçao pode ser analisada pelos seguintes pontos: (1) Pouco conhecimento da Palavra; (2) Falta de maturidade cristã.

Não há um critério temporal para ser considerado neófito, e por esta razão os pontos acima são extremamente necessários. 

Devemos considerar, ainda, a parábola do semeador, e ponderar que há possibilidade de agir sem cautela e eleger um cristão sem raízes como presbítero (Mateus 13:5-6,20-21). Isso acontece caso consideremos alguém para presbítero em razão do impacto inicial da Palavra no homem que a recebe com alegria, o qual, vindo as tribulações e aflições, esmorece na caminhada.

Outrossim, o conhecimento da Palavra por si só não basta para não ser considerado neófito, visto que tal conhecimento sem ação do Espírito Santo poderá ser instrumento do diabo para ensoberbecer o homem. Neste caso, é mais seguro analisar o conhecimento de tal homem acerca da sua própria salvação. Um homem que compreende a Teologia da Cruz é aquele a quem podemos considerar um cristão maduro, e tal compreensão poderá levar, em alguns casos, dois anos; em outros, dez.

Logo, observamos se um homem é neófito não por seu tempo na igreja, e sim por sua compreensão da Palavra e o que ela ensina acerca de Cristo. Podemos também, considerando a maturidade cristã, observar os frutos do Espírito que evidenciem que tal homem é filho de Deus.

Ser santo e irrepreensível

É necessário que o presbítero seja santo, ou seja, separado para Deus, separado do poder do pecado. Neste mesmo sentido, o presbítero tem que ser um homem irrepreensível, no sentido de ser um homem sem culpa.

Ser santo e irrepreensível é não ser escravo do pecado, e nem ter pecados não confessos que não foram apresentados diante de Deus em uma atitude de arrependimento. Logo, não pode ser um homem "culpado".

Um presbítero tem sobre si os olhos dos demais cristãos da igreja, que o imitarão em busca do reflexo de Cristo naquele líder (I Corintios 11:1). Logo, a necessidade de santidade e ausência de culpa se analisa no exemplo a ser dado perante a igreja e os de fora.

Não esqueçamos também que as ações da liderança com culpa são pedra de tropeço e razão de escândalo para o mundo e para os demais. A necessidade também se fundamenta na qualidade do testemunho.

Ser esposo de uma só mulher

Neste ponto, há quem defenda que o presbítero deve ser o homem que casou apenas uma vez. Assim, viúvos e homens que se divorciaram, ainda que na hipótese biblicamente permitida, não estão habilitados para ser presbíteros.

Tal posição não merece prosperar, visto que o que Paulo aponta é a necessidade de ter apenas uma esposa. Paulo estava vetando homens que viviam em poligamia (comum na época da igreja Primitiva). Há de se considerar também que, ao analisarmos as características do presbítero, todas elas são apresentadas no tempo presente, ou seja, qualidades que o mesmo possui ao tempo da eleição, e não que já possuiu ou virá a possuir (como se a ordenação revestisse o homem com tais atributos). Podemos considerar também que, se a intenção fosse falar de um único casamento, Paulo poderia ter reestruturado a frase de outra forma, como "casado só uma vez".

Ser temperante e sóbrio

O presbítero deve ser um homem moderado, equilibrado. Um homem impulsivo pode comprometer a igreja agindo por paixão (entendida como excesso de sentimento, seja ele qual for), da mesma forma que um líder apático e omisso poderá comprometer a igreja por não posicionar-se perante a sociedade ou mesmo perante a própria igreja para sustentar as decisões tomadas e lidar com a oposição.

É necessário que haja equilíbrio para ouvir a voz de Deus e fazer aquilo que o Senhor exigir.

Ser respeitável e ter bom testemunho com os de fora

Outro aspecto a se observar em um candidato ao presbitério ou pastorado é o testemunho não apenas dentro da igreja, mas também do lado de fora dela, de forma que haja coerência entre o que se vive e o que se prega.

O igreja deve procurar saber se o candidato é coerente com o Evangelho em sua vida familiar, acadêmica ou profissional, e perante a sociedade como um todo, da mesma forma que é na igreja em suas atividades eclesiásticas.

Cabe ressaltar que bom testemunho e respeito não significam aceitação e agrado, e sim coerência de vida testemunhável ainda que por pessoas que não concordem, visto que a nossa tendência é andar na contramão do mundo,  e não em conformidade com ele (Romanos 12:2). Um bom exemplo de respeitabilidade sem conformidade seria o do pregador John Knox e a Rainha da Inglaterra, Maria a Sanguinária, que chegou a declarar:

"eu temo mais as orações de John Knox do que os exércitos de dez mil homens contra nós"

Hospitaleiro 

A hospitalidade sempre foi um traço da comunidade judaica e da igreja Primitiva. Podemos ressaltar que não se trata meramente do presbítero abrir as portas da sua cada aos demais a todo momento, e sim guardar as condutas inerentes a ser hospitaleiro, como ser atencioso, generoso e acolhedor com os seus visitantes e hóspedes.

A hospitalidade, portanto, pode ser atestada na realização de cultos domésticos, nas visitas ou no acolhimento de um irmão no lar, e não simplesmente em hospedar aos demais.

Apto para ensinar e fiel à Palavra

Conforme podemos concluir pela leitura da carta de Paulo para Tito, o presbítero deve ser um homem apto a ensinar a Palavra: (1) visto que este será responsável por admoestar os membros da igreja de suas incorreções (2), para ser capaz de defender as Escrituras daqueles que se opõem (3) e combater falsos mestres e doutrinas.

Uma igreja saudável necessita de conhecimento da Palavra, cabendo as presbíteros precipuamente o ensino da mesma. Há de se deixar claro que o Senhor, ao dispensar os dons à igreja, capacitará alguns com o dom do ensino, o que não necessariamente significa que tal cristão tenha um chamado para ser presbítero da igreja. Dom de ensino e aptidão para ensinar tem extensões diferentes: o dom é a excelência dada por Deus para edificação da igreja, a aptidão para o ensino é a capacidade de ensinar de maneira correta; todo homem com o dom de ensino é apto para ensinar, mas nem todo homem apto para ensinar tem o dom do Espírito para isso.

Logo, nem todo presbítero terá o dom do ensino, mas todo presbítero tem que ser capaz de ensinar a Palavra corretamente. Todo presbítero tem necessidade de ser teólogo e conhecer a Palavra, a fim de não ensinar incorretamente. Tal disposição encontra fundamento na própria prerrogativa do presbítero de repreender os membros da igreja em seus pecados, o que demonstra no mínimo o conhecimento de que a conduta de tal membro é pecaminosa.

Não apenas apto para admoestar a igreja, o próprio presbítero deve ser fiel àquilo que ensina. Sendo constante e zeloso no seu proceder de acordo com a Palavra de Deus.

Visto que principados e potestades desejam causar o maior dano possível à igreja e seus membros, numa tentativa maligna de embaraçar a proclamação do Evangelho, surgem no seio da igreja falsos mestres e doutrinas, devendo o presbítero ser conhecedor da Palavra, a fim de combatê-los, como Paulo recomendou que fizessem os presbíteros que seriam eleitos na igreja de Creta.

Não ser intolerante ou arrogante

A intolerância é uma evidência da dificuldade de amar ao próximo (que é o segundo grande mandamento), sendo incabível cogitar um presbítero incapaz de compreender o próximo e que haja com repulsa diante daquilo que lhe seja contrário. O líder da igreja encontrará sempre pessoas com valores e ideias que divergem das próprias, devendo ter o coração aberto para ouvir, julgar e reter aquilo que for de acordo com a Palavra, ainda que isso signifique quebrar seus próprios conceitos.

Já a arrogância é um evidência da falta de humildade, de um orgulho agudo, sendo certo que tal característica não pode ser encontrada em um presbítero (ou qualquer cristão), visto que o Senhor rejeita os soberbos (Tiago 4:6). Um homem que tem dificuldade de ser humilde e sujeitar-se ao senhorio de Cristo dificilmente conduzirá a igreja para que assim o faça.

Não ser amante do dinheiro e nem cobiçoso do ganho desonesto

A preocupação com o amor às riquezas terrenas foi motivo de advertências do próprio Senhor Jesus (Mateus 6:19-21 e 24; 19:16-30), razão pela qual o candidato a presbítero não pode mostrar-se demasiadamente preocupado com as riquezas materiais. Podemos considerar a possibilidade de tal tipo de homem não dispensar todos os recursos financeiros necessários à obra pelo desejo maior de guardar dinheiro, ainda que sem razão para fazê-lo. O amor ao dinheiro é idolatria, violação ao primeiro grande mandamento.

Quanto a cobiça de ganho desonesto, podemos considerar o desejo de ganhar injustamente, de tirar vantagem excessiva na prática de serviços e na gestão de seus bens, ainda que isso pressuponha aproveitar-se da boa-fé e inocência alheia. Os homens que tais coisas praticam não devem ser eleitos ao presbitério, visto que desconsideram o agir de forma justa e a dignidade do salário do seu trabalho e dos demais. Vemos o possível exemplo de um homem que praticou e buscou correção de tal postura em Zaqueu, o publicano (Lucas 19:2-10).

Governar bem a sua casa, tendo filhos obedientes que são crentes e não abertos à acusação de dissolução ou insubordinação

Tal disposição tem sua razão de ser visto que, na ordem da criação, ao homem foi dada a responsabilidade de cuidar de sua família antes mesmo da aliança. Um homem que não governa sua casa bem, ou seja, biblicamente, não terá tal capacidade com a sua igreja (I Timóteo 5:8).

Quanto aos filhos, considerando o fato de que a salvação é individual e o chamado de Deus independe da vontade humana, não podemos considerar que um homem esteja desqualificado para exercer o presbitério se um de seus filhos não for cristão. A inteligência do versículo nos leva a ponderar que, quanto aos filhos que são crentes, estes não podem ser abertos à acusação de dissolução ou insubordinação, o que nada mais é que o reflexo da criação recebida de um pai santo e irrepreensível. E, ainda que possua filhos que não são cristãos, estes devem ser subordinados à autoridade do candidato, que, ainda que não tenha poder para converter seus filhos, tem o dever se guiar sua família nos valores morais cristãos.

Fortalecendo o posicionamento acima, consideremos também a hipótese de um candidato solteiro: este regerá bem a sua vida familiar, ainda que não seja o cabeça de sua casa ainda, agindo como o filho obediente, subordinado à autoridade dos pais, honrando-os, da forma que Deus espera dos Seus (Efésios 6:1-3). Não possuir filhos ou esposa não o desqualifica para o exercício do cargo de presbítero, pois, conforme já refletimos, tais recomendações podem não ser totalmente encontradas nos candidatos.

Não ser dado ao vinho

Bem... Esse requisito será abordado em apartado, visto que pretendo me estender um tanto mais no tema!

Concluindo...

Devemos buscar líderes para nossas igrejas dentro daquilo que a bíblia considera importante. Os versículos acima nos apresentaram evidências do chamado de um homem para liderar sua igreja. Não esqueça que somos imperfeitos, e que talvez boa parte das características acima levem uma vida inteira para ser desenvolvidas!


quarta-feira, 14 de março de 2018

Quem são os Presbíteros?


Uma vez que defendo a necessidade do governo eclesiástico, ratifico o que declarei no artigo anterior: Se de fato necessitamos de governo, que seja amparado pela Palavra de Deus. Poder-se-ia, com o avanço da igreja, abordar os líderes com previsão na Palavra de Deus, e aqueles que a igreja inseriu no curso da sua história, como consequência lógica do seu avanço e mudanças sociais.

            Começando pelos oficiais previstos na Palavra de Deus, o primeiro que abordarei nos próximos artigos será o Presbítero. Os presbíteros são aqueles que tem como função dirigir, surpervisionar e cuidar da igreja por amor à Deus e ao próximo, nos termos de I Timóteo 5:17 c/c I Timóteo 3:4-5, que transcrevo abaixo:

Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino. [grifo próprio]
(I Timóteo 5:17)

... e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?);[grifo próprio]
(I Timóteo 3:4-5)

            É certo que a palavra “presbítero” é sinônima de outras duas: bispo/superintendente (episkopos) e pastor (poimen). Temos um exemplo do uso do termo bispo no texto de I Timóteo 3:2, quando se declara que é necessário que “o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar”. Já o termo pastor ocorre apenas uma vez no Novo Testamento, em Efésios 4:11:

E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres

            Há na passagem acima uma discussão acerca dos termos pastores e mestres, quanto a hipótese de tratar-se de pastores-mestres. A discussão seria em torno da possibilidade de “poimenas kai didaskalous” não trazer a ideia de um chamado diferente (um para pastor e um para mestre), mas de um aspecto do chamado do pastor. Neste último caso, o pastor seria o responsável pela condução e ensino do rebanho, sendo certo que, ao analisarmos a construção da sentença do versículo 11, fica evidente que se fosse intenção de Paulo abordar dois chamados diferentes, bastaria manter o uso de “outros para”, ainda que alguns possam argumentar a supressão da expressão. Não arrisco a explorar mais a questão, pois está além dos meus conhecimentos.

            Não se tratam de ofícios diversos, visto que as atribuições dos bispos, pastores e presbíteros são as mesmas, havendo, ainda, a ordem de Pedro para que os presbíteros pastoreiem o rebanho de Deus que havia entre eles (1 Pedro 5:2). São, portanto, sinônimos, cujo uso de um ou outro termo ressalta uma característica mais evidente do mesmo.

            Outro argumento favorável está ligado ao uso do termo pastores-mestres abordado anteriormente. Se o pastor tem o dever de ensinar ao seu rebanho, podemos corroborar tratar-se de outra nomenclatura para presbítero, visto que entre as características deste está a aptidão para o ensino (I Timóteo 3:3,8 e Tito 1:7).

            Ainda sobre o governo da igreja por parte dos presbíteros, basta uma análise na Palavra de Deus para se chegar a conclusão de que o modelo de governo bíblico é aquele que possui vários presbíteros liderando a igreja que os elegeu (Atos 14:23 c/c Atos 20:17 c/c Tito 1:5). Veja que no texto de Tito 1:5, a razão de Paulo deixar Tito em Creta é, entre outras, para que este estabelecesse os presbíteros de cidade em cidade! Colocando em termos atuais, de igreja local em igreja local. As vantagens da pluralidade de presbíteros são, entre outras:

1 - Exercício do Sacerdócio Universal de Todos os Santos

            Uma equipe de presbíteros é uma forma eficaz de exercer o sacerdócio universal em favor da edificação da igreja, visto que homens com virtudes e peculiaridades exerçam os dons diversos (ou mesmo iguais) que receberam do Senhor, contribuindo para melhor decisão para coletividade.

2 - Unidade de Pensamento

            Uma equipe de presbíteros pode evidenciar aquilo que o Espírito Santo tem a dizer para a comunidade, visto que nosso Pai não é Deus de confusão, e naquilo que dois ou três presbíteros vierem a concordar, a chance de haver erro de direção é menor. Evita-se, ainda, que haja uma liderança déspota e antibíblica.

3 - Uma igreja sempre pronta

            Podemos falar, ainda, de uma liderança com uma agenda flexível, que garanta que haja sempre a possibilidade de atender as demandas da comunidade local, bem como que os presbíteros apoiem-se uns aos outros nas tentações e dificuldades da vida e ministério.

4 - A igreja cresce com as gerações

            Ressalto também a possibilidade de que haja observância da perspectiva de diversas gerações diferentes, podendo haver no corpo de presbíteros a voz do presbítero mais moço, com aquele que poderia ser considerado um ancião na comunidade. Isso é positivo para que a igreja não fique estagnada, e acompanhe as mudanças que o tempo carrega em seu bojo.

domingo, 11 de março de 2018

Governo da Igreja (Introdução)

Sendo certo que a igreja local existe de forma visível, lida com diversas demandas internas e externas. Levando em conta que nossas igrejas tem funções biblicamente estabelecidas, como edificação mútua daqueles que a compõem, instrução dos novos irmãos, pregação e ensino da Palavra, podemos ao menos compreender que há necessidade de organização, a fim de que as funções da igreja sejam realizadas com proveito e esmero.

Não podemos esquecer, ainda, que há necessidade de disciplina eclesiástica (o que foi abordado no artigo sobre a excomunhão dos membros das igrejas locais), o que demanda uma organização apta para pô-la em prática. Logo, é necessário que tenhamos em mente que, diferentemente do que alegam algumas pessoas, a organização de um governo eclesiástico não é uma invenção humana a fim de impor hierarquias e criar relações de poder que não deveriam existir. A liderança em uma igreja é inevitável, e, mesmo no momento da liturgia de um culto, alguém tomará a dianteira para conduzir a adoração ou ministração da Palavra. Portanto, longe de ser contra a existência de Governos Eclesiásticos, defendo a necessidade da existência do mesmo, com fundamentos nas Escrituras.

A fim de que o resumo não tome ares de achismo, fundamentarei as minhas considerações no artigo 22 da síntese doutrinária das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (28 Artigos da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo), que diz:

"Todos os crentes sinceros são sacerdotes para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo, que é o Mestre, Pontífice, e único cabeça da sua Igreja; mas como Governador da sua Casa, estabeleceu nela diversos cargos como de Pastor, Presbítero, Diácono e Evangelista; para eles escolhe e habilita, com talentos próprios, aos que Ele quer para cumprirem os deveres destes ofícios, e quando existem devem ser reconhecidos pela Igreja como preparados e dados por Deus." [grifo próprio]

Vejam que, conforme o artigo acima, a existência da igreja local pressupõe a existência de uma organização composta por oficiais escolhidos por Cristo, e que devem ser reconhecidos pela igreja. O fato de basear a presente posição em um artigo de fé não vai de encontro ao princípio de agir de acordo somente com as Escrituras. Tal artigo é uma proposição baseada na Palavra de Deus, não tratando-se de dar autoridade a texto diverso da Bíblia, mas reconhecer a autoridade do texto bíblico por detrás da declaração.

No caso, os textos bíblicos que fundamentam a existência de um governo eclesiástico composto por oficiais estabelecidos (quanto a função) e escolhidos (quanto a pessoa) por Deus se dá em Efésios 4:10-14 e I Pedro 5:1-2, transcritos abaixo:

"Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, a fim de encher todas as coisas. 

E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres,
com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado,
até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo.
O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro." (Efésios 4:10-14)

"Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar:
Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto;
Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho." (I Pedro 5:1-3)

Já a necessidade do reconhecimento dos mesmos pela igreja encontra-se nos textos de I Tessalonicenses 5:12-13 e Filipenses 2:29, transcritos abaixo:

"E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam;
E que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós." (I Tessalonicences 5:12-13)

"Recebei-o, pois, no Senhor com todo o gozo, e tende-o em honra;" (Felipenses 2:29)

Portanto, há necessidade que a igreja reconheça e honre o trabalho daqueles a quem o Senhor levantou para a realização da Sua obra, como no caso de Epafrodito, enviado pela igreja de Filipos para auxiliar Paulo.

Com bases no artigo 22 e nos versículos apontados, podemos fazer algumas considerações:

1º O Governo da Igreja não impede o Sacerdócio Universal de Todos os Crentes

É certo que a Palavra nos ensina que somos todos sacerdotes para oferecer sacrifícios espirituais, através de Cristo. Não há, portanto, necessidade de qualquer intermediário entre nós e o nosso Pai, visto que Cristo ofereceu a Si mesmo como sacrifício necessário e plenamente eficaz, de forma que temos agora não apenas o privilégio, mas também a responsabilidade de nos apresentarmos diante de Deus, bem como aos nossos irmãos (I Pedro 2:5-9 c/c Hebreus 10/12).

É necessário apontar, portanto, que o sacerdócio universal não é incompatível com o governo da igreja, visto que o primeiro diz respeito a relação do cristão com Deus, e o segundo diz respeito à organização e atuação da igreja com seus indivíduos e o mundo a sua volta. O fato de existir irmãos levantados por Deus para gerir uma determinada igreja local não impede (ao menos não deveria impedir) ou interfere no acesso do cristão ao Senhor, visto que em Cristo o sacrifício final já foi realizado. 

Qualquer oposição nesse sentido pode estar ligada à liturgia da igreja, sob o fundamento de que o governo litúrgico (não deixa de ser uma esfera do governo da igreja) atrapalha a ação do Espírito Santo. Entretanto, tal alegação deve ser muito bem analisada dentro da igreja local. O governo da igreja não é um fator impeditivo do sacerdócio universal, e sim um desdobramento do mesmo, pela necessidade de edificação dos membros uns pelos outros. 

Neste sentido, haverão homens chamados a orar incessantemente pelos demais, e outros chamados a exercer o diaconato na igreja. Alguns chamados a servir na cantina, outros no corpo de presbíteros. O que parece gerar uma certa repulsa é a ideia de que o governo da igreja cria hierarquia e acepção de pessoas, o que não é verdade.

2º O Governo da Igreja é estabelecido por Cristo para edificação dos santos

Em Efésios 4:10-14 fica claro que o governo da igreja é estabelecido por Jesus Cristo com o propósito de edificar os santos, capacitando-os para obra, ensinando-os para não serem conduzidos por doutrinas hereges e disciplinando-os, se necessário. 

Portanto, o governo da igreja não vai de encontro ao governo de Cristo, o qual não deixa de ser o Cabeça da igreja (Mateus 23:8-10). Um governo estabelecido por Jesus será aquele que tem a Palavra como regra de fé e prática. Aprouve ao Senhor levantar homens com funções específicas para cuidar dos Seus filhos até que Ele venha, mantendo em ordem a representante visível do Reino Invisível. Esse cuidado é reflexo do grande amor de Deus por nós, e nos leva a compreender os oficiais de nossas igrejas como homens chamados para servir. Portanto, o governo da igreja pelos oficiais não é um poder, e sim um serviço prestado aos demais membros da congregação.

3º Logo, a existência de um governo antibíblico de igreja não tira a legitimidade de todos os outros 

O fato de haver igrejas com governantes carnais e antibíblicos não pressupõe que todos os governos eclesiásticos devem ser eliminados, como alegam algumas pessoas. Nos versículos acima, vimos que a existência de um governo eclesiástico não é só legítima, como também estabelecida por Jesus Cristo.

O governo eclesiástico é exercido por oficiais da igreja (como presbíteros e diáconos) que possuem não apenas previsão na Palavra, como também critérios de seleção dos irmãos que deverão cumprir tais funções (I Timóteo 3 c/c Tito 1:5-9). Logo, antes de ser uma invenção humana com a finalidade de legitimar a criação de uma hierarquia, trata-se do desdobramento do dever de servir.

Os que se opõem a existência do governo da igreja podem ser exatamente aqueles homens que se opõem à disciplina eclesiástica e autoridade, ou mesmo os que temem receber responsabilidades e ficarem sob os olhares dos demais.


quinta-feira, 8 de março de 2018

O que dizer sobre... Inteligência Humilhada

Essa semana eu vou falar um pouquinho do livro Inteligência Humilhada, escrito por Jonas Madureira, pastor da Igreja Batista da Palavra, em São Paulo. O autor é bacharel em Teologia, e Mestre e Doutor em Filosofia. Eu tive a oportunidade de assisti-lo expor o tema semanas antes do lançamento do livro, no Seminário Teológico Congregacional de Niterói, e fiquei encantado!



Desde já deixo consignado que, se porventura discordem dos apontamentos que farei aqui, trata-se da minha análise do livro, logo, sujeita as minhas limitações teológicas e filosóficas. Aos que admiram o trabalho do Pr. Jonas (sou um destes), peço que embainhem a espada antes de começar a leitura.

Desejei muito ter o livro, e me aprofundar um tanto mais no tema, aprendendo sobre a humilhação inerente ao ser humano. Para minha felicidade, o meu pastor, Reverendo Idauro de Oliveira Campos Júnior, Reitor do Seminário, deu-me de presente na ocasião da minha saída da função de secretário do seminário, que ocorreu por motivos acadêmicos.



Só consegui parar para ler nas últimas semanas, e fiquei extremamente satisfeito. O Pr. Jonas não nos enganou quando escreveu que ora teríamos diante de nós um pastor em gabinete, ora um professor na sala de aula. De fato o livro tem essas sutis mudanças, adotando em parte um tom pastoral na exegese dos textos e aplicação, e por outro lado, um tom acadêmico, caracterizado por uma abordagem mais filosófica e apologética.

O livro aborda o conceito de inteligência humilhada. Serei sucinto, por dois  motivos: primeiro, para te incentivar a ler a obra do Jonas; segundo, para evitar a possibilidade de desonestidade intelectual, na hipótese de alguém precisar ler em algum seminário, e buscar aqui um resumo da obra já pronto.

O Rev. Jonas inspirou-se para escrever sobre o tema a partir da leitura do livro X das Confissões de Agostinho de Hipona, e aborda questões cruciais para compreensão da inteligência humilhada, tais como o conflito entre fideísmo e racionalismo, bem como a adoção de uma teologia sinergista ou monergista como fator de influência no entendimento acerca do conhecimento de Deus e das demais coisas, além da necessidade da revelação especial.

Poder-se-ia dizer que o tema é exaustivamente abordado nos dois primeiros capítulos, nos quais apresenta-se a humilhação de nossa inteligência não como um estado oriundo da queda (embora a queda tenha sim seus efeitos noéticos), mas uma característica inerente ao homem (esteja ele consciente disso ou não), que precisa que Deus revele a Si, a verdade sobre nós mesmos e a verdade sobre o mundo. O conhecimento do homem é melhor desenvolvido quando colocado diante de Deus, em postura de reconhecimento de que dEle, por Ele e para Ele são todas as coisas. A inconsciência do homem quanto a sua dependência de Deus não muda o fato de que o conhecimento adquirido depende dEle, seja na revelação, seja  na obra do Espírito Santo nos dando entendimento. Portanto, teologia é estudar a Palavra diante de Deus,com oração e humildade.

Considero os capítulos 3 e 4 não como essenciais para abordagem do tema, e sim como a apresentação de questões que norteiam o conceito já explicado nos dois primeiros capítulos. Já o capítulo 5 apresenta a traição dos teólogos, não analisando se cabe razão ao teólogo que valoriza mais a doutrina do que ao que valoriza mais as questões sociais, e sim apontando os dois grupos como desvio da cosmovisão cristã.

O livro é muito bom! Diversos conceitos são apresentados para explicar o tema, mas não se preocupem, o autor não teve qualquer ressalva de explicar cada um deles. Entretanto, duas considerações podem ser feitas. A primeira se dá ao fato de que, ao vir apresentar o tema no Seminário Teológico Congregacional de Niterói, o autor informou ter realizado a busca do conceito em diversos autores na história da igreja, como Agostinho e Pascal. De fato tais autores são citados no curso dos capítulos, entretanto, ansiava ao menos por um capítulo no qual o conceito seria explicado através da visão de cada teólogo, de forma que a obra pudesse ser utilizada para consultas posteriores.

Outro ponto que deixou-me com a impressão de estar faltando alguma coisa foi a apresentação da Teodiceia ao abordar a bondade e soberania de Deus em contraste com a existência do mal no mundo. Embora o tema tenha sido discorrido por diversas páginas, senti falta de um fechamento para o mesmo, quase como se a resposta tivesse ficado em aberto (uma resposta que eu sinceramente gostaria de ler por parte do autor). Deixo claro que neste ponto, talvez eu não tenha sido capaz de compreender corretamente, em função do pouco conhecimento que tenho acerca do tema.

Feitas as duas ressalvas, não poderia deixar de elogiar o método do autor, que faz pouco uso de citações e paráfrases, esforçando-se por apresentar o tema em suas próprias palavras. Esse tipo de escrita me agrada muito, e reflete o esforço do reverendo em ponderar talvez dezenas de obras lidas e extremamente necessárias para formulação daquela única frase onde um conceito é apresentado! As citações são usadas para reforçar conceitos que o próprio autor apresentou com suas palavras.

Recomendo a leitura da obra para aprofundamento nas áreas de Antropologia Bíblica, Cristologia e Teologia Propriamente Dita, com uma boa aplicação em estudos sobre Cosmovisão Cristã (principalmente no capítulo 5) e Revelação Especial. Agradeço ao Reverendo Idauro Campos por presentear-me com a obra, bem como ao Reverendo Jonas Madureira por debruçar-se em horas de estudo para escrever uma obra tão bem fundamentada. Agradeço-o por fazer teologia diante de Deus!

terça-feira, 6 de março de 2018

Palavras vazias

O que são minhas palavras, sem você para dar sentido pra elas? O que é amor, sem alguém para amar? As palavras não deixam de ter seus significados, mas sem uma realidade, nada tem a dizer.

E, para falar de amor, a realidade é você. Se considera bela a minha forma de escrever, não ignore o belo sorriso que você tem, pois é ele que eu escrevo. Se, porventura, eu vir a escrever sobre um beijo, é porque em algum momento teus lábios umedeceram os meus, num beijo que eu quis que não acabasse. Se sentir-se aquecida nas linhas de algum texto meu, é o nosso abraço guardado no meio das palavras. Aliás, falar de amor é confuso. A palavra ora é sentimento, ora é pessoa, de forma que as vezes eu já nem sei se estou falando do meu amor, ou do amor que sinto (a própria dúvida pode parecer sem sentido).

E, para falar do que é belo e natural, a realidade também é você. Se eu vier a descrever um céu negro e denso com estrelas refulgentes, são teus olhos a brilhar na luz. E se eu escrever sobre as ondas do mar, são teus cachos, que assim como essas palavras, já escorreram pelos meus dedos. E o cheiro das flores é o teu perfume (ou o creme do teu cabelo) que roubei do teu pescoço enquanto te abraçava.

Se houver algo de belo no que eu escrevo, por detrás há um amor ainda mais bonito, que me inspira a estar aqui... escrevendo. Sem você, tudo que há são apenas palavras vazias.


sábado, 3 de março de 2018

Billy Graham - O Embaixador vai para casa.

Se você é cristão, é bem provável que uma notícia tenha preenchido sua timeline do Facebook: A morte de Willian Franklin Billy Graham, em 21 de fevereiro de 2018, aos 99 anos de idade. Embora não tenha completado seu centenário, podemos afirmar sem qualquer hesitação que foi um grande Embaixador de Cristo no século XX, responsável por levar a mensagem da Cruz de Cristo a milhares de pessoas. 



Billy Graham foi ordenado pastor em 1939 pela Igreja Batista Peniel, em Palatka. É certo que nesta época não tinha nem anseio, e muito menos ideia de que pregaria para multidões de pessoas. Levou sua mensagem de que só Jesus Cristo pode resolver os problemas do mundo da Carolina do Norte ao Palácio de Windsor, onde foi ouvido pela rainha Isabel II e o príncipe Filipe.

É certo que o pregador viveu numa época conturbada para a história da igreja e do mundo, qual seja, o período da Segunda Guerra Mundial. Período no qual  o Liberalismo, a Teologia do Evangelho Social e sua tese de um evangelho simples (onde o Reino de Deus seria uma realidade política e social a ser construída pelos próprios homens) foi duramente questionada, visto que o horror da guerra ia de encontro tais expectativas na suposta bondade e nos esforços humanos.

O mundo viu e viveu  a falha da capacidade do homem diante da sua natureza pecaminosa, a qual os conduzia à guerra e dissensão, morte e horrores. O Senhor levanta Billy Graham e uma geração de fundamentalistas (o termo não é pejorativo, mas diz respeito a ligação de tais teólogos com os ensaios teológicos sob o título The fundamentals: a testimony to the truth/ Os fundamentos: um testemunho da verdade) para apresentar ao mundo o Evangelho centrado no Reino de Deus e na salvação por Jesus Cristo.

Graham foi, portanto, um dos grandes evangelistas responsáveis por anunciar Cristo para um mundo que acreditava ter sido abandonado por Deus. Anunciar que a paz só poderia ser trazida por Cristo, e não por líderes ou soldados. Foi neste contexto, que por duas vezes Billy Graham lotou o estádio do Maracanã, sendo certo que em sua segunda vinda, dentro de quatro dias mais de 615.000 pessoas foram edificadas pela Palavra.



O Brasil não foi o único país a recebê-lo, e através da Associação Evangelística Billy Graham, a Palavra foi pregada por todo o mundo, fosse por cruzadas evangelísticas ou por meios de comunicação.

Graham fora tão influente na sociedade norte-americana, que foi o quarto cidadão comum a ser velado com honras no Capitólio, local reservado líderes políticos e militares. Foi conselheiro de diversos presidentes americanos, e seu velório foi acompanhado pela presença do Presidente Donald Trump, que o homenageou.

É por esta razão que Billy Graham é considerado o maior pregador do século XX, deixando-nos não apenas um acervo de dezenas de obras, programas gravados e sermões no YouTube, como também um exemplo de amor à Deus, influência no mundo, e tentativa de trazer a Paz não mediante o esforço humano, mas mediante a Cruz!!!

Daniel e Eclesiastes 11:9-10

 "Jovem, alegre-se em sua juventude! Aproveite cada momento. Faça tudo que desejar; não perca nada! Lembre-se, porém, que Deus lhe pedi...