sábado, 31 de março de 2018

O que dizer sobre.... As Relações Perigosas

"Quem deixaria de estremecer pensando nas desgraças que pode causar uma só relação perigosa! E quantas mágoas se evitariam refletindo mais nisso! Que mulher não fugiria às primeiras palavras de um sedutor? Que mãe poderia, sem tremer, ver outra pessoa que não ela falar à sua filha? Mas estas reflexões tardias só nos ocorrem depois do acontecimento; e uma das mais importantes verdades, como também uma das mais geralmente reconhecidas, permanece abafada e sem utilidade no turbilhão de nossos costumes incoerentes."



Esse é o trecho da última carta escrita pela Sra. de Volanges no livro que trarei as impressões hoje: As Relações Perigosas, de Chordelos de Laclos.

Eu de fato pensei a mesma coisa lendo a obra do autor francês (que escreveu exatas uma obra), e começo recomendando que todas as jovens, se possível, leiam esse livro em sua mocidade. Os relatos das aventuras do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil são de causar indignação!

Alguns podem atribuir minha indignação à proposta inicial do Visconde de Valmont, em razão da minha cosmovisão cristã. Bem, isto não deixa de estar correto, o que me faz imaginar o efeito do livro na sociedade da época em que foi escrito! A moral que a mim é restrita somente à religião, no século XVII era o critério do homem médio, e regia toda a sociedade!!!

Sendo bem sucinto, a trama gira em torno de seis personagens principais, e é baseada na correspondência dos mesmos, todas em posse da família Resemonde. As cartas teriam chegado até o autor, que as organizou e compilou aquelas aptas a moldar a trama. Choderlos tem como obra este único livro, e, embora não tenha me aprofundado, discute-se a autenticidade das cartas. Ao tempo em que o autor lançou o livro, este foi mal recebido pela sociedade francesa, que recusava-se a crer que tal imoralidade seria possível.

O Visconde de Valmont e a Marquesa de Merteuil são dois amantes devassos, que desafiam-se a ter relações perigosas, ou seja, relações sensuais e sexuais fora dos padrões sociais e das relações conjugais, sem serem descobertos, ou com objetivo de corromper pessoas a fim de expô-las a sociedade, a fim de a máscara de moralidade seja rompida.

Gostei particularmente da ideia de um livro escrito através de uma compilação de correspondências. É incrível como conseguimos construir um verdadeiro filme (e de fato há um filme!) através da leitura de cartas. Verdadeiras ou não, as cartas interligadas constroem uma trama extremamente atraente!

Desta forma, analisarei cada um dos sete personagens principais, a fim de construir as minhas considerações de acordo com as peculiaridades da trama individual de cada um, começando pelos menos influentes, até aqueles que seriam as grandes mentes das relações.

Sra. de Rosemonde

Não há muito a se falar dela, que em toda a trama teve o papel de confessora da Presidenta de Tourvel, o qual encontrava-se hospedada em sua residência no campo, e na qual as relações perigosas desenvolveram-se. A senhora de Rosemonde é aquela com a qual todas as cartas ficaram no final das tramas pessoais de cada personagem.

É em razão deste fato, que merece destaque que as consequências quanto aos destinos do Cavaleiro Dánceny e de Cécile Volanges não tiveram pior destino. Antes de mais nada, embora a Sra. de Rosemonde houvesse percebido que a Presidenta de Tourvel fora embora de sua casa por sua paixão por Valmont, no que diz respeito a este personagem, os laços familiares impediam que a mesma encontra-se nele as culpas que já eram conhecidas por toda sociedade.

É em razão disto que, apos o duelo entre Dánceny e Valmont, com o óbito deste último, a Sra. de Rosemonde pretendeu levar o caso à justiça e denunciar Dánceny pela morte de seu sobrinho. A recusa de seu preposto em realizar a ordem e dar mais publicidade ao caso, de forma que compromete-se a própria imagem de Valmont deu tempo para Dánceny entregar as correspondências que estavam em sua posse, para que julgasse se deveria dar continuidade ao caso. Desta forma a Sra. de Rosemonde foi responsável pela integridade de Dánceny tanto socialmente, ao não dar publicidade à sua relação com a Marquesa de Merteuil, bem como suas condutas consideradas impróprias em relação a Cécile.

Quanto ao seu papel no destino de Cécile foi bastante discreto! A Sra. de Volanges em determinado momento solicita conselhos acerca das razões de Cécile para ingressar no convento, bem como se deveria intervir em tal decisão. A Sra. de Volanges, que já sabia as razões de tal decisão, aconselhou sua amiga a não questionar os motivos, nem intervir na decisão da filha. Ao fazer isso, preservou não apenas a alegria da amiga, como também o destino da filha que, caso não ingressasse no convento, deveria casar-se com Gecourt, que logo que descobrisse que sua esposa não havia preservado-se e a notícia fosse espalhada, iniciaria um escândalo que condenaria a pequena ao martírio público. .

Sra. Volanges

O papel da Sra. Volanges  mais agravou as intenções dos dois devassos do que teve influência positiva sobre a vida da sua filha. A Sra. Volanges era amiga pessoal da Presidenta de Tourvel, e por diversas vezes alertou a mesma acerca da fama do Visconde Valmont. Seu papel limitou-se a esta tentativa, bem como a dar notícias à Sra. de Rosemonde acerca das últimas notícias sobre a Marquesa de Mertueil.

A Sra. Volanges era amiga da Marquesa, de forma que fora enganada por ela, a fim de que os planos de corromper Cécile fosse frustrados. Ao ver a tristeza da filha, que julgou ser em razão do impedimento de casar-se com Dánceny e do afastamento para a casa da Sra. de Rosemonde a fim de que a filha o esquecesse, a mãe questiona a Marquesa acerca da possibilidade de casar Cécile com Dánceny, abrindo mão da conveniência do casamento pela escolha do coração da filha. A Marquesa de Mertueil levou-a a crer tratar-se de um capricho da menina, e que a mãe não deveria ignorar seu senso sobre o que seria melhor para a filha.

Valmont descobriu que era a Sra. de Valmont que estava interferindo nas suas investidas sobre a Presidenta de Tourvel, e em razão disto decide atirar-se sobre a filha, como vingança pessoal pelas dificuldades que a mãe estava gerando na conquista de seu objetivo.

Deixa de ter influência junto a Presidenta de Tourvel, que somente restabelece as correspondências após cair nos laços de Valmont. Podemos inferir, portanto, que esta personagem está intimamente ligada às decisões e pensamentos racionais da Presidenta, que cessou as correspondências exatamente por não querer receber oposição ao que havia se tornado objeto do seu interesse. Creio que a Presidenta não cessou os contatos por não crer na veracidade do que a amiga dizia, mas simplesmente para ignorar o que era fato e ter razões para não se aproximar do amante.

Cavaleiro Dánceny

Dánceny é um jovem rapaz que visitava a casa da Sra. Volanges, apaixonando-se por sua filha Cécile. É jovem e apaixonado, tendo como característica primaz a ingenuidade. Tamanha ingenuidade que beira a má-fé, visto que, se por um lado acatou a decisão da Sra. de Volanges de afastar-se de sua filha, logo encontrou meios de manter as correspondências com a mesma.

De fato o amor não quer ver distâncias, e para este não há obstáculo que não possa ser transporto com um tanto de empenho. Entretanto, a marginalidade da relação dá a Dánceny contornos de malícia, visto que começou a exigir de Cécile um encontro, e, se hoje é de senso comum que a distância aumenta o desejo de estar junto, e o desejo diminui a prudência, seria inocência não do personagem, mas do leitor, pressupor que as intenções de Dánceny eram meramente o poder declarar-se pessoalmente para sua amada.

Tal opinião encontra amparo no fato de que esse tipo de declaração não ocorrera enquanto estavam próximos em qualquer momento, e as cartas foram sempre a forma de declarações do casal. Outro fato a ser considerado, é que bastaria a prudência para reaproximar-se de Cécile, de forma que o casal dissimulasse o fim do amor pela constância da amizade.

Ocorre que Dánceny a este momento já era amante da Marquesa de Mertueil, de forma que já vivia uma relação perigosa com a mesma, estando disposto, assim como Cécile, a começar outra, independentemente do casamento desta com Gercout. Isso fica evidente, visto que, em carta alguma, embora Dánceny fale de amor, jamais fala de casamento.

E é nesta enganosa auto-imagem de um homem perspicaz que na verdade ele é enganado por Valmont, que levava e recebia as correspondências dos amantes. Valmont o faz declarar a necessidade de incitar Cécile a dar a chave de seu quarto para que este pudesse levar as cartas para ela a noite, enquanto todos dormiam. Em razão do aval do amado, Cécile é estuprada por Valmont, e passa a viver uma relação perigosa com ele.

Dánceny também é enganado pela Marquesa de Mertueil, a fim de alimentar seu ego. É em razão disto, que, após a loucura da Presidenta de Tourvel, estando Cécile sem a vigilância da mãe, em momento algum Dánceny pretendeu o encontro que até então era tão esperado. A Marquesa conseguiu mostrar que a amante era mais desejada que a amada, na medida em que, envolto nos favores sexuais e mimos por parte da amiga e amante, ele ignorava o seio da mulher amada. Dánceny só atentou para a realidade que passara a ignorar a amada quando alertado por Valmont, que longe de ser filantropo e usar da amizade, queria apenas vingar-se da Marquesa, vendo-a ser colocada como a segunda opção de um homem.

Dánceny é o reflexo da visão machista da sociedade, visto que, ao tomar conhecimento da relação de Cécile e Valmont (a forma da Marquesa vingar-se do encontro frustrado), este o desafia para um duelo, mata o rival e depois de um período afastado da sociedade, para não sofrer as consequências do ato, vai embora. Onde está o machismo? Dánceny entrega toda a correspondência de Cécile e a que Valmont o entregou antes de morrer para a Sra. de Rosemonde, e diz não poder aceitar a traição de Cécile, casando-se com ela (o que a Sra. de Volanges pretendeu novamente como opção para não ver a filha no convento). Ora, o mesmo Dánceny que vivia uma relação perigosa com a Marquesa!

Ao menos uma boa consideração pode ser feita sobre o personagem, é que este é responsável pelo desagravo de Prévan, ao entregar para a sociedade francesa a carta na qual a Marquesa narrava a cilada feita para o mesmo, o que possibilitou a sua reabilitação no regimento militar e na sociedade. Após isto, partiu para Malta.

Cécile Volanges

A pequena Cécile é apresentada como uma jovem recém saída do convento, que apaixona-se pelo Cavaleiro, sendo informada posteriormente sobre seu casamento com Gecourt.A inocência de Cécile não é uma questão inerente ao seu espírito, e sim a falta de experiência. Visto que o diabo só nos tenta naquilo que já há em nós, fica claro que a tentação de Cécile revela sua predisposição para a devassidão.

Cécile é enganada pela Marquesa, que pouco a pouco ensina-a sobre as relações perigosas que poderia compor. Vemos isto acontecer de forma gradual, o que revela que os grandes pecados são resultados das pequenas conveniências; que as ardentes paixões ardem mediante pequenas permissões. Primeiro ela se permite confessar amor a Dánceny, o que não era conveniente para uma mulher. Depois ela se permite corresponder em segredo em nome do amor. Para receber as correspondências ela se permite dar a chave do quarto para Valmont; para não ser descoberta, ela tem sua primeira relação com Valmont; com a primeira relação, ela se permite viver os prazeres de uma relação perigosa com Valmont, estando convicta que o casamento com Gecourt não impediria os encontros de Dánceny.

A primeira relação de Cécile e Valmont mudam por completo a pequena Volanges, o que é percebido por sua mãe, que atribui a tristeza da filha ao amor impedido. Na verdade, o sofrimento era em decorrência de que Cécile havia sido estuprada na noite anterior, e, a fim de que não resistisse, foi ameaçada de que seria desonrada, visto que ela mesmo havia entregue a chave, o que demonstraria que ela convidou o Visconde para entrar. É neste contexto que vemos Cécile experimentar, junto a dor de ser violada, lapsos de desejo pela violação, os quais narrou para a Marquesa. Portanto, fica evidente que Cécile não era dotada da inocência atribuída, visto que, seu pesar não foi a violação, mas a vergonha gerada por ela, que cessou logo que a Marquesa a declarou ser um privilégio sentir prazer sexual, ainda que fora do casamento, e sem ser com o homem amado.

Em pouco tempo, para Cécile, prazer sexual e amor tornam-se duas coisas diferentes e desvinculadas. Comprazia-se no prazer sexual com Valmont, sem que para ela o amor de Dánceny fosse menor. Passou a permitir-se o sexo sem amor, visto que o amor lhe era negado. Isto fica evidente no fato de que Cécile pretendia ficar com seu Cavaleiro, mas em momento algum pretendeu não casar com Gecourt.

Cécile no curso da história engravida de Valmont, em razão dos encontros noturnos, vindo a abortar após um acidente gerado por um descuido durante uma das relações com Valmont, que gerou estresse e fortes dores. Um médico em segredo visita-a durante a madrugada e informa sobre a gravidez e perda do bebê, que são recebidas com indiferença pela personagem. Isso só deixa claro a que grau de devassidão a personagem estava entregue, que, recebendo a notícia da maternidade, não sentira amor; ao receber a notícia do aborto, não sentira a tristeza.

A história de Cécile termina com o convento. Após a morte de Valmont e desonra da Marquesa, a pequena foge para um convento, e o livro termina com sua ordenação à freira. Podemos pressupor que tomou conhecimento dos planos da Marquesa. Há de se pensar também que a morte do amante pelas mãos do amado tenha sido a razão do ingresso na vida religiosa.

Presidenta de Tourvel

Hospedada na casa da Sra. de Rosemonde em razão de uma viagem de negócios de seu marido, a Presidenta passa a ser objeto de desejo do Visconde de Valmont. A Presidenta de Tourvel representa a moralidade e religião em seu estado mais intenso e puro, o que se torna o desafio maior do Visconde. Para Valmont, tratava-se de mostrar aos demais concorrentes e mulheres, que era tão bom amante e sedutor, que seria capaz de corromper a mulher mais devota e moral.

A trama de Valmont era tornar-se seu novo deus, sua razão de existir. E, após a conquista, abandonaria a mulher. A Marquesa por diversas vezes duvidara de Valmont, visto que para esta, os valores da fé eram de grande intensidade para a Presidenta que, se por amor a Deus não resistisse ao conquistador, o faria pelo temor ao diabo. Valmont, em contrapartida, queria provar que poderia tornar a seu amor mais forte que a sua culpa.

Confesso que, ao ver a resistência e resoluções finais da Presidenta de Tourvel, tive esperanças de que a mesma não cederia aos encantos do Visconde. Entretanto, posso afirmar que a queda da Presidenta, assim como a de Cécile, começou com pequenas concessões.

A primeira delas, a concessão do ego. A Presidenta julgou-se dona de si e portadora do controle que o Visconde dava a mesma, de forma que sua queda começou na medida em que negociava uma amizade com Valmont. E por julgar-se tão dona de si, entrou no jogo do Visconde, confiando na sua própria resistência.

Conforme a Presidenta foi atraindo-se por Valmont, entrava em uma floresta cada vez mais densa. Bastava parar a caminhada, mas a Presidenta era orgulhosa demais para isso. De repente ela cessa as correspondências com a sua melhor amiga, que lhe apresentava a realidade sobre Valmont. Depois passa a permitir que Valmont lhe envie correspondências, e por fim lhe permite uma visita em sua casa quando não havia ninguém. Neste momento, é possível dizer que a Presidenta já desejava o desfecho da história, não tratando-se de mero fortuito. Afinal, uma mulher casada não deve receber um homem que ela sabe apaixonado por ela, e que ela encontra-se igualmente apaixonada, em casa e sozinha.

A Presidenta de Tourvel perde a sanidade, adoece e morre hospedada também em um convento. Após descobrir a verdade sobre Valmont, a dor lhe é grande, e foge para o convento a fim de se esconder do amante e de seus pecados. Vemos, portanto, que busca na devoção e fé reestabelecer sua sanidade e esquecer o amante. Não contava em receber uma carta de Valmont, que agravou seus nervos, e, após tomar conhecimento da morte do mesmo no duelo com Dánceny, morreu também.

Visconde de Valmont

Valmont é o segundo em importância das tramas que se desenrolam, e a minha maior razão para recomendar este livro a qualquer pessoa. Não por sentir prazer ao ler suas façanhas, mas por ele ser capaz de demonstrar que as piores intenções podem ser escondidas nas melhores condutas. Cada decisão e atitude de Valmont esconde um objetivo.

O objetivo inicial de Valmont era conquistar a Presidenta de Tourvel, e, logo após, dispensá-la e desonrá-la publicamente, a fim de concluir mais um êxito. É um homem que sabe jogar com as palavras e pessoas, o que se demonstra na estima que possui junto a sua tia e no seu carisma. Valmont não poupou esforços no seu empreendimento, valendo-se de suborno, fraudes, filantropia e mesmo uma falsa intenção de converter-se ao Evangelho. Com esta última, através do padre confessor da Presidenta, este a convenceu que um encontro para pedir perdão era necessário para iniciar a vida de devoção de Valmont. Em sentido contrário, já sabendo que a Presidenta o amava, este finge a despedida, após a qual ela lança-se em seus braços, consumando os planos de Valmont. Prova, ao final, que não só estava certo que conquistaria seu alvo, quanto que substituiria sua devoção pela total submissão "da sua pudica". Embora a Presidenta sofresse moralmente, a ideia de que fazia Valmont feliz sobrepunha o sentimento de culpa e, em pouco tempo, a relação perigosa inicia.

No desenrolar desta história, Valmont usa um de seus servos para extraviar a correspondência da Presidenta antes que esta fosse entregue aos destinatários originais, e desta forma descobre os alertas da Sra. de Volanges. Movido por vingança pessoal, aceita um pedido inicial da Marquesa, de começar uma relação perigosa com a pequena Cécile Volanges, a fim de reduzir a mãe à vergonha pública. Valmont engana Dánceny e Cécile, fazendo-se de amigo para facilitar sua investida, e, após atacar Cécile em seu quarto, inicia com ela uma relação. É certo que em determinado momento Valmont informa a Marquesa de que a vergonha do futuro marido de Cécile seria maior, visto que estava certo de sua gravidez, o que se confirmou com o aborto informado algumas cartas depois.

A tragédia final de todos os personagens tem base em dois fatos sobre Valmont. Primeiro, que este se apaixonara pela Presidenta, de forma que, longe de a difamar, começou a ter uma relação estável com ela, mesmo negando esse amor a todo momento. E o segundo motivo, a guerra declarada contra a Marquesa. Sob as provocações dela, dispensou a companhia da Presidenta em uma noite, a fim de provar que não a amava, o que não contava era que esta, por uma trama do destino emparelharia sua carroça com a dele na cidade, descobrindo-o com outra mulher. Por esta razão a Presidenta enlouqueceu no convento. Quanto a declarar guerra com a Marquesa, ao humilhá-la na trama de Dánceny, esta o expôs ao jovem, que o matou em um duelo.

Creio que Valmont só tenha sido nobre em sua morte, entregando para o Cavalheiro todas as correspondências que trocou com a Marquesa, aptas a desagravá-lo junto a sociedade caso acusado do seu assassinato, bem como demonstrar que a amiga e amante do jovem era a autora de toda uma trama para o prejudicar. Com isto, Valmont acaba dando as provas da inocência de Prévan do crime imputado ao mesmo.

Marquesa de Mertueil

Esta é a grande imoral de toda a história, mais ainda do que Valmont! Este ainda tinha nela uma ilusão de igualdade e parceria, enquanto a Marquesa também o manipulava, pelo desejo que o Visconde tinha de deitar-se novamente com ela. Valmont era apaixonado por sua amiga, o que acabou sendo uma motivação a mais para tentar conquistar a Presidenta, visto que a Marquesa prometera uma noite com ele caso obtivesse êxito. A Marquesa escondia-se sob a estima das mulheres mais recatadas da sociedade, com uma imagem de prudência e castidade.

Esta personagem é tão calculista, que, caso uma relação perigosa lhe fosse imputada, seria impossível provar, e, não haveriam pessoas de renome que duvidassem de sua inocência. Fica claro em uma das cartas que, embora fosse amante de Valmont, quando a sociedade francesa tomou conhecimento disto, Valmont ficou com a fama do insucesso, sendo considerada a mulher que resistiu a suas investidas. Isto mostra que tanto Valmont quanto a Marquesa eram bons em esconder seus aliados.

Diferentemente de Valmont, que teve Cécile apenas como uma trama secundária, a Marquesa tinha a pequena como seu plano principal. O objetivo era fazer da pequena Volanges sua discípula, ensinando tudo que sabia sobre manipulação e dissimulação. Para tal objetivo, far-se-ia de amiga da menina e conselheira, a fim de ajudar na relação com o Cavalheiro.

É ela quem incita a pequena a declarar seu amor, a cogitar uma relação perigosa com o Cavalheiro mesmo não casando com ele, e que, após o estupro de Cécile, convence-a de ser uma dádiva a possibilidade de manter a relação com o Visconde. Fazia-se de amiga da mãe, enquanto corrompia a filha. Quanto ao jovem casal, era a amiga da moça, e amante do rapaz.

Tamanho era o prazer da Marquesa em dissimular e enganar, que, para provar sua superioridade, tramou um encontro com um famoso conquistador da época, rival de Valmont, dando acesso ao seu quarto. Quando este lá ingressara, simulou que fora uma invasão e tentativa de estupro, que teve como consequência a expulsão de Prévan da sociedade e sua prisão militar, sem que qualquer dúvida tenha recaído sobre ela. Por mero prazer, enviou um homem para prisão.

A Marquesa é extremamente orgulhosa e narcisista, e por essa razão passa a manipular Valmont, que passara a mostrar mais interesse pela Presidenta do que por ela, ainda que implorasse por uma noite ao lado dela. Fazendo-o pensar que teria uma noite com ela, e escarnecendo da suposta submissão do galã à alguém que não deveria ser importante, e sim uma mera conquista, foi responsável por induzir Valmont a distratar a Presidenta. E, com orgulho ferido por Cécile ter tido a preferência do Cavaleiro, a quem passara a desejar muito como amante, expôs para este a relação perigosa que Cécile vivia com o que então era seu melhor amigo.

Ao final, quando Dánceny expõe as cartas que a Marquesa trocava com Valmont, a sociedade passa a repudiá-la (com direito a vaias e humilhação pública em um baile), ela perde um processo que leva-a à falência e foge de seus credores completamente desfigurada. Ocorre que a Marquesa foi acometida por varíola, ficando desfigurada e perdendo um olho durante a recuperação da doença.

O livro termina, portanto, com dois mortos, uma foragida e uma freira. Não sabemos os acontecimentos que sucedem a história, ficando em reticências o destino final de Cécile e Dánceny. Quanto a este último, é certo que deixara de amar Cécile quando tomou conhecimento da relação com Valmont; quanto a Cécile, há razões para eu crer que já não amava o Cavaleiro, mas sim o seu amante falecido. 

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