domingo, 11 de março de 2018

Governo da Igreja (Introdução)

Sendo certo que a igreja local existe de forma visível, lida com diversas demandas internas e externas. Levando em conta que nossas igrejas tem funções biblicamente estabelecidas, como edificação mútua daqueles que a compõem, instrução dos novos irmãos, pregação e ensino da Palavra, podemos ao menos compreender que há necessidade de organização, a fim de que as funções da igreja sejam realizadas com proveito e esmero.

Não podemos esquecer, ainda, que há necessidade de disciplina eclesiástica (o que foi abordado no artigo sobre a excomunhão dos membros das igrejas locais), o que demanda uma organização apta para pô-la em prática. Logo, é necessário que tenhamos em mente que, diferentemente do que alegam algumas pessoas, a organização de um governo eclesiástico não é uma invenção humana a fim de impor hierarquias e criar relações de poder que não deveriam existir. A liderança em uma igreja é inevitável, e, mesmo no momento da liturgia de um culto, alguém tomará a dianteira para conduzir a adoração ou ministração da Palavra. Portanto, longe de ser contra a existência de Governos Eclesiásticos, defendo a necessidade da existência do mesmo, com fundamentos nas Escrituras.

A fim de que o resumo não tome ares de achismo, fundamentarei as minhas considerações no artigo 22 da síntese doutrinária das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (28 Artigos da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo), que diz:

"Todos os crentes sinceros são sacerdotes para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo, que é o Mestre, Pontífice, e único cabeça da sua Igreja; mas como Governador da sua Casa, estabeleceu nela diversos cargos como de Pastor, Presbítero, Diácono e Evangelista; para eles escolhe e habilita, com talentos próprios, aos que Ele quer para cumprirem os deveres destes ofícios, e quando existem devem ser reconhecidos pela Igreja como preparados e dados por Deus." [grifo próprio]

Vejam que, conforme o artigo acima, a existência da igreja local pressupõe a existência de uma organização composta por oficiais escolhidos por Cristo, e que devem ser reconhecidos pela igreja. O fato de basear a presente posição em um artigo de fé não vai de encontro ao princípio de agir de acordo somente com as Escrituras. Tal artigo é uma proposição baseada na Palavra de Deus, não tratando-se de dar autoridade a texto diverso da Bíblia, mas reconhecer a autoridade do texto bíblico por detrás da declaração.

No caso, os textos bíblicos que fundamentam a existência de um governo eclesiástico composto por oficiais estabelecidos (quanto a função) e escolhidos (quanto a pessoa) por Deus se dá em Efésios 4:10-14 e I Pedro 5:1-2, transcritos abaixo:

"Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, a fim de encher todas as coisas. 

E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres,
com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado,
até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo.
O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro." (Efésios 4:10-14)

"Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar:
Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto;
Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho." (I Pedro 5:1-3)

Já a necessidade do reconhecimento dos mesmos pela igreja encontra-se nos textos de I Tessalonicenses 5:12-13 e Filipenses 2:29, transcritos abaixo:

"E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam;
E que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós." (I Tessalonicences 5:12-13)

"Recebei-o, pois, no Senhor com todo o gozo, e tende-o em honra;" (Felipenses 2:29)

Portanto, há necessidade que a igreja reconheça e honre o trabalho daqueles a quem o Senhor levantou para a realização da Sua obra, como no caso de Epafrodito, enviado pela igreja de Filipos para auxiliar Paulo.

Com bases no artigo 22 e nos versículos apontados, podemos fazer algumas considerações:

1º O Governo da Igreja não impede o Sacerdócio Universal de Todos os Crentes

É certo que a Palavra nos ensina que somos todos sacerdotes para oferecer sacrifícios espirituais, através de Cristo. Não há, portanto, necessidade de qualquer intermediário entre nós e o nosso Pai, visto que Cristo ofereceu a Si mesmo como sacrifício necessário e plenamente eficaz, de forma que temos agora não apenas o privilégio, mas também a responsabilidade de nos apresentarmos diante de Deus, bem como aos nossos irmãos (I Pedro 2:5-9 c/c Hebreus 10/12).

É necessário apontar, portanto, que o sacerdócio universal não é incompatível com o governo da igreja, visto que o primeiro diz respeito a relação do cristão com Deus, e o segundo diz respeito à organização e atuação da igreja com seus indivíduos e o mundo a sua volta. O fato de existir irmãos levantados por Deus para gerir uma determinada igreja local não impede (ao menos não deveria impedir) ou interfere no acesso do cristão ao Senhor, visto que em Cristo o sacrifício final já foi realizado. 

Qualquer oposição nesse sentido pode estar ligada à liturgia da igreja, sob o fundamento de que o governo litúrgico (não deixa de ser uma esfera do governo da igreja) atrapalha a ação do Espírito Santo. Entretanto, tal alegação deve ser muito bem analisada dentro da igreja local. O governo da igreja não é um fator impeditivo do sacerdócio universal, e sim um desdobramento do mesmo, pela necessidade de edificação dos membros uns pelos outros. 

Neste sentido, haverão homens chamados a orar incessantemente pelos demais, e outros chamados a exercer o diaconato na igreja. Alguns chamados a servir na cantina, outros no corpo de presbíteros. O que parece gerar uma certa repulsa é a ideia de que o governo da igreja cria hierarquia e acepção de pessoas, o que não é verdade.

2º O Governo da Igreja é estabelecido por Cristo para edificação dos santos

Em Efésios 4:10-14 fica claro que o governo da igreja é estabelecido por Jesus Cristo com o propósito de edificar os santos, capacitando-os para obra, ensinando-os para não serem conduzidos por doutrinas hereges e disciplinando-os, se necessário. 

Portanto, o governo da igreja não vai de encontro ao governo de Cristo, o qual não deixa de ser o Cabeça da igreja (Mateus 23:8-10). Um governo estabelecido por Jesus será aquele que tem a Palavra como regra de fé e prática. Aprouve ao Senhor levantar homens com funções específicas para cuidar dos Seus filhos até que Ele venha, mantendo em ordem a representante visível do Reino Invisível. Esse cuidado é reflexo do grande amor de Deus por nós, e nos leva a compreender os oficiais de nossas igrejas como homens chamados para servir. Portanto, o governo da igreja pelos oficiais não é um poder, e sim um serviço prestado aos demais membros da congregação.

3º Logo, a existência de um governo antibíblico de igreja não tira a legitimidade de todos os outros 

O fato de haver igrejas com governantes carnais e antibíblicos não pressupõe que todos os governos eclesiásticos devem ser eliminados, como alegam algumas pessoas. Nos versículos acima, vimos que a existência de um governo eclesiástico não é só legítima, como também estabelecida por Jesus Cristo.

O governo eclesiástico é exercido por oficiais da igreja (como presbíteros e diáconos) que possuem não apenas previsão na Palavra, como também critérios de seleção dos irmãos que deverão cumprir tais funções (I Timóteo 3 c/c Tito 1:5-9). Logo, antes de ser uma invenção humana com a finalidade de legitimar a criação de uma hierarquia, trata-se do desdobramento do dever de servir.

Os que se opõem a existência do governo da igreja podem ser exatamente aqueles homens que se opõem à disciplina eclesiástica e autoridade, ou mesmo os que temem receber responsabilidades e ficarem sob os olhares dos demais.


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