terça-feira, 9 de abril de 2019

O que dizer sobre: Protestantismo Tupiniquim - Gedeon Freire de Alencar

Alencar, Gedeon Freire de, 1961 – Protestantismo Tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição evangélica à cultura brasileira / Gedeon Freire de Alencar. 2ªed. – São Paulo: Editora Recriar, 2018.



O livro de Gedeon Freire de Alencar apresenta em seu título a questão do engajamento cultural do cristão evangélico dentro da sociedade brasileira, levantando diversos questionamentos cujo objetivo principal é demonstrar que não há qualquer contribuição protestante significativa para a cultura do país. O autor deixa claro que não possui qualquer intenção de responder as razões deste fenômeno, dando margem ao leitor para fazê-lo.
Gedeon inicia a introdução do seu trabalho apresentando os três componentes originais da cultura brasileira: o indígena, o afro e o católico. Tais matrizes possuem marcas facilmente definíveis na nossa cultura, enquanto o protestantismo não possui qualquer marca distintiva. Assim sendo, o autor questiona o fato dos cultos afros serem quantitativamente inferiores aos protestantes, e ainda assim serem culturalmente influentes.
Ocorre que o estudo do autor se torna impreciso em certas ponderações, na medida que considera apenas as três maiores denominações protestantes (assembleianos, batistas e presbiterianos) em seu trabalho. Se por um lado o autor reconhece a grande influência dos cultos afros, numericamente inferiores, desconsidera a influência de grupos protestantes menores.
Ainda que tal postura seja um delimitador do objeto de pesquisa, ignora grandes contribuições protestantes, simplesmente por estarem vinculadas a denominações menores. Por exemplo, o autor aponta a celebração de cultos em português e tradução de hinários apenas nas décadas de 30 e 40. Entretanto, em 11 de julho de 1858 a Igreja Evangélica Fluminense era fundada com 14 membros, realizando o batismo de Pedro Nolasco de Andrade, culto este realizado em português. Em 17 de novembro de 1861 os Salmos e Hinos, com 50 letras de cânticos (18 salmos e 32 hinos) foi publicado. Uma imprensa protestante, denominada Cristão foi fundada em 1892. O autor marca 1930 como o início do “cristianismo brasileiro”, mas nesse período os congregacionais já haviam até mesmo instalado um seminário teológico (1914).
Desta forma, quando o autor afirma que o protestantismo brasileiro é brasileiro, ele o faz quase que exclusivamente referindo-se ao pentecostalismo, acusando as outras denominações de serem culturalmente moldadas por influências estrangeiras, e ignorando a contribuição de outras numericamente inferiores.
Ao abordar o sincretismo denominacional, que na opinião do autor do presente artigo é um fenômeno a se destacar nos últimos tempos, Gedeon alega que isto pode ser bom ou ruim, mas segue criticando o fenômeno, alegando a necessidade de distinções. Se por um lado é possível concordar que o sincretismo tem por consequência uma geração que desconhece as suas bases teológicas, é necessário discordar acerca da necessidade de distinção. É possível que esta aproximação de denominações seja um dos alicerces para que a identidade cultural protestante seja construída. As igrejas seguem discordando de questões secundárias, com a diferença que aprenderam a dialogar. Isto deve ser incentivado, e a saída no tocante a ignorância acerca das bases teológicas pode ser resolvida pelo ensino da história denominacional.
O autor trabalha quatro períodos do Protestantismo Brasileiro: o protestantismo de emigração, o protestantismo de missão, o protestantismo pentecostal e o protestantismo contemporâneo. O primeiro objetivou apenas o estabelecimento de uma classe média cujo objetivo era o branqueamento da nação brasileira, permitindo-se o culto protestante sem a construção de templos; o segundo objetivou influenciar a elite do país, sendo marcado pela ênfase na educação como instrumento de conversões; o terceiro atinge ex-escravos, nordestinos e seringueiros desempregados, os quais retornam para suas cidades levando a mensagem do evangelho, e tem por característica sua ênfase escatológica e desconexão com o mundo; o quarto é marcado pelo movimento gospel e assimilação cultural.
O autor analisa a relação da cultura brasileira com o protestantismo sob dois possíveis paradigmas: ou o protestantismo cresceu e hoje se encontra presente em todos os cenários, ou tornou-se tão vulgarizado que sua presença não faz nenhuma diferença. O protestantismo assumiu uma postura de assimilação cultural, de forma que hoje há Marchas para Jesus semelhantes à blocos de carnavalIsto levanta a grande questão se de fato a igreja está influenciando a cultura, ou a cultura influencia a igreja pós-moderna.
Ressalta que o protestantismo é marcado pela cultura da negação, uma vez que somos conhecidos pelo que somos proibidos, e não necessariamente pela fé em Cristo. Somos conhecidos por nossa aversão ao mundo e postura abstêmia. Negamos quase todas as expressões de arte por temor à sensualidade e repúdio as expressões culturais, conservando apenas o apreço pela música e literatura, uma herança puritana.
O autor segue analisando a adequação cultural do neopentecostalismo, sendo este a expressão mais brasileira do protestantismo, exatamente por ser marcado por um extremo sincretismo que dialoga com todas as classes sociais, expressões culturais e mesmo religiosas, como o catolicismo, espiritismo e a umbanda. Assim sendo, datas festivas, ritmos e instrumentos musicais ou mesmo práticas litúrgicas são absorvidas, o que explica seu fácil crescimento numérico pela facilidade de adesão, uma vez que não há uma ruptura com a cultura anterior. O neopentecostalismo leva a uma grande confusão, pois em grande parte absorveu os mesmos elementos dos cultos afros. Se antes poder-se-ia acusar o católico por esta similaridade (na figura de santos/orixás e penitências/axé), hoje o maior culpado é o neopentecostal.
O autor aborda um dos aspectos mais sincréticos entre o neopentecostalismo e o candomblé: a instrumentalização do divino. O neopentecostalismo é a progressão da individualidade, tornando-se uma religião de resultados e escatologia terrena marcada pela busca das bênçãos imediatas, atrelando espiritualidade com saúde e prosperidade material. O neopentecostalismo redefine a ênfase escatológica, tornando o fim dos tempos questão acessória diante do gozo imediato.
No tocante a autoridade espiritual, a individualidade subjuga Deus, de forma que tudo gira em torno com as escolhas pessoais e satisfação dos desejos, assemelhando-se ao candomblé e suas divindades desprovidas de uma ética definida. As experiências pessoais são super-valorizadas e a confissão positiva conduz até mesmo a ação de Deus.
O capítulo 8 apresenta Cristo como a resposta para as perguntas que sequer podemos elencar. Ocorre que a sociedade possui diversas questões, sendo certo que os cristãos por anos negligenciaram o debate público como possibilidade de evangelização. Conforme pode-se inferir do trabalho de pesquisa realizado, a ênfase escatológica dos protestantes brasileiros os impediu de debater questões como ecologia, mais especificamente, ecoteologia. 
O protestante brasileiro também é marcado por sua "linguagem de gueto". O uso de termos e chavões que pressupõem um determinado conhecimento bíblico ou inerente à cultura protestante torna o diálogo impraticável. Lutero no século XVI traduziu a Palavra para que o povo em geral pudesse ler a Palavra em seu idioma; os protestantes brasileiros insistem em manter  o uso de uma linguagem própria, mesmo onde o debate deveria ser público.
Assim sendo, se analisarmos a questão principal do livro, qual seja, a possibilidade do protestante brasileiro ter sua contribuição na cultura brasileira, podemos dizer que esta não ocorreu, visto que o nosso uso da língua não traz qualquer proveito para cultura brasileira, exceto a criação de um esteriótipo para programas de humor na televisão.
Se por um lado não respondemos as perguntas que a sociedade levanta, por outro, somos extremamente coniventes em nossa teologia. O autor denuncia a tendência protestante brasileira de tentar adequar o evangelho ao público, buscando aprovação universal. Pedro na casa de Cornélio e Paulo na praça de Atenas levavam a mesma mensagem, para públicos diferentes, que a receberam com reações diferentes. Assim, demonstra-se que a aprovação universal é fruto de um evangelho eufêmico, que não confronta. O protestante brasileiro não dialoga com a sociedade, e quando o faz, é intoxicado pelo temor do proselitismo, pela tentativa de ser laico em sua exposição; confundindo diálogo com conivência.
A ética protestante não dialoga com a arte, pois a arte é aética. O protestante brasileiro tem herança puritana, enquanto a arte não tem pudor. Nosso dualismo enxerga bem e mal, sagrado e profano, sem aceitar o meio termo. Conforme podemos depreender da leitura, nudez é sempre sensualidade, e a estética gera desconfiança. 
O autor apresenta o Protestantismo como a religião do livro, mas mesmo nesta forma de arte somos evidentemente subdesenvolvidos. Um escritor cristão protestante no geral recusa a literatura secular, bem como ser literário, visto que a literatura pede descrição, detalhes, ambientação e construção de história e personagens complexos. É a necessidade de também descrever pecados. Assim sendo, ser cristão é negar o velho homem, enquanto ser escritor é confrontar-se com a realidade que ele ainda está presente, e precisa ser exposto.  Tudo que escrevemos vem de dentro, seja lembrança, realidade ou expectativa. 
Desta forma, produzir uma obra literária é ser o médico e o monstro; ora ser Cecile e em seguida descobrir-se Valmont; é ser nu com as palavras, descrever o que se nega, confessar ser pecador.  Basta assistir dois ou três filmes gospel e encontrará um cristão esteriotipado, quase transcendente por tamanha santidade. Não há um Agostinho realizando confissões. E como a santidade não é real para os cegos, surdos e sem entendimento, a nossa literatura e cinema gospel não tem muito a oferecer para a sociedade além de uma mensagem motivacional.
Gedeon apresenta a falta de estética protestante, bem como sua dificuldade de dialogar com a cultura. Aborda a tendência protestante brasileira de criar uma cultura de adesão à igreja mediante a observância das regras impostas pela mesma, ao mesmo tempo que damos nova roupagem à condutas que repreendemos. Se por um lado negamos o Carnaval, por outro adotamos os acampamentos, feitos em mesmo período, e conforme comparação trazida pelo autor, com os mesmos aspectos.
O autor conclui informando que seu objetivo era apenas levantar questões, e não trazer respostas. Entretanto, é óbvio que todas as perguntas são retóricas, e pela construção narrativa conduzem para resposta que o autor busca que alcancemos. O cristão protestante de fato não contribuiu para cultura brasileira, e sua identidade cultural limita-se ao esteriótipo de linguagem do gueto. 
O leve traço cultural protestante se perdeu com o tempo e conivência social. Éramos denominados "bíblia" pela característica de andarmos com a Palavra embaixo dos braços, e a capacidade de parafrasear o texto bíblico. Embora considerados caricatos, estes cristãos foram o melhor da identidade protestante. A busca dos protestantes por consolidar a sua identidade é recente, através da fixação de feriados e datas comemorativas com reconhecimento público, ainda que não alcance âmbito nacional[1].
Outrossim, não se deve ignorar o fato de que a dissonância cultural não é necessariamente um traço negativo, pois a cultura secular rejeita Cristo. Diferente das religiões afro e do catolicismo, o protestantismo não é conivente, é autoritativo e exclusivista no tocante a salvação. Traços desprezados numa sociedade pós-moderna. Assim, conclui-se que o protestante brasileiro está longe de influenciar a cultura do país.



[1] Vide em https://noticias.gospelmais.com.br/dia-da-biblia-dia-da-oracao-dia-do-pastor-confira-o-calendario-evangelico.html

O mito grego da Hospitalidade: Comparações entre a ética grega e a ética judaico-cristã


O mito:

O Mito da Hospitalidade traz a história de Báucis e Filêmon, casal que residia na Frígia. Segundo o mito, Zeus decidiu testar a hospitalidade dos homens, e convida o seu filho Hermes para acompanhá-lo como viajante no mundo, disfarçados de pobres estrangeiros. Logo os deuses experimentam fadiga, frio e fome, visto que ninguém os oferecia abrigo e alimento.

Após milhares de tentativas, ao chegar em um local remoto na Frígia, batem a porta de uma cabana extremamente humilde, sendo recebidos por seus donos, Báucis e Filêmon, um casal de idosos extremamente humildes. Estes, ao recebê-los, preparam seu único ganso e oferecem a sua única garrafa de vinho, sem se envergonhar de sua pobreza. Ao perceber que a garrafa de vinho jamais ficava vazia, o casal percebe que seus convidados não eram simples estrangeiros e pedem perdão por não ter um banquete melhor para oferecer.

Zeus e Hermes revelam-se deuses, e acalmam o casal agradecendo por sua hospitalidade. Zeus, que havia se irado com os homens, ordena que os idosos os sigam ao alto de um monte, pois destruiria toda a cidade, o que de fato realiza com a inundação do vale onde residiam. O casal chora por todos os mortos, bem como por sua humilde residência ter sido destruída na inundação.

Entretanto, ao recuar das águas, sua residência havia sido transformada em um templo de mármore com teto de ouro. Ato contínuo, os deuses concedem dois desejos para o casal. O casal pediu autorização para servirem aos deuses como sacerdotes no novo templo, bem como, por terem passado toda a vida juntos, que pudessem morrer juntos.
Zeus concede longevidade para o casal servir e viver juntos no templo, e, chegada a hora, Hermes concede o desejo de morrerem juntos, transformando-os em duas árvores cujos galhos e troncos se entrelaçam no último abraço dado pelo casal.

O relato bíblico

O livro de Gênesis relata no capítulo 19 a chegada de dois anjos à cidade de Sodoma, a qual havia sido condenada pelo Senhor em razão do seu alto grau de impiedade. Os homens são recebidos por Ló e sua família, que oferecem abrigo e alimento.

No meio da noite, todos os homens da cidade reúnem-se em volta da casa de Ló, ordenando que o mesmo entregue os dois estrangeiros. Estes homens pretendiam estuprar os anjos, razão pela qual Ló oferece suas duas filhas virgens, a fim de proteger seus hóspedes. Assim sendo, Ló é atacado pelos homens da cidade, e resgatado pelos anjos, que causam cegueira em todos, e ordena que Ló e sua família abandonem a cidade. Após se dirigirem para Zoar, Sodoma e as cidades vizinhas são destruídas por uma chuva de fogo e enxofre.

Comparações

O mito da hospitalidade e o relato de Gênesis 19 partilham alguns elementos comparativos: o divino despindo-se de sua glória, a preocupação com o cuidado do pobre e do estrangeiro, a recompensa pela fidelidade e obediência e a destruição como consequência da desobediência.

No que diz respeito ao divino despir-se de sua glória, podemos comparar a ordem de Zeus à Hermes, que deveria deixar suas asas no Monte Olimpo, a fim de não parecer com um deus, com Cristo despindo-se de sua majestade e glória, assumindo a imagem do servo sofredor (Filipenses 2:5-8).  O que difere o relato bíblico do mito é que o objetivo de Zeus e Hermes era simplesmente testar a bondade e obediência dos homens, enquanto Cristo assumiu a forma de servo para ser o substituto perfeito dos homens na imputação do pecado, bem como para deixar-nos o exemplo de serviço como forma de amor.

A ética grega traz a hospitalidade como uma lei, no que se denomina Xênios, cujo objetivo é garantir o cuidado do estrangeiro e do pobre, bem como assegurar a paz. Assim sendo, um cidadão grego deveria oferecer comida e hospedagem ao estrangeiro que o procurasse. 

Da mesma forma, a Palavra de Deus revela seu cuidado com os hipossuficientes sociais, quais sejam, o pobre, o órfão, o estrangeiro e a viúva, no que hoje é denominado de ética judaico-cristã. Toda a bíblia traz ordens para que se cuide do estrangeiro, seja dando abrigo ou permitindo que este recolhesse as espigas à beira da estrada. A ordem de Deus acerca da hospitalidade era considerada com tanta seriedade que Ló oferece suas duas filhas aos homens da cidade, pois ao dar abrigo para alguém, o anfitrião era responsável por manter seus hóspedes seguros.

 No Novo Testamento a hospitalidade é apresentada como uma das prerrogativas dos presbíteros, responsáveis por cuidar da igreja (1 Timóteo 3), assim como Báucis e Filêmon, por sua hospitalidade tornaram-se sacerdote do templo dos deuses.

Tanto o mito quanto o relato bíblico trazem a figura da punição pela desobediência, bem como a recompensa pela fidelidade. Em ambos os casos, embora a hospitalidade seja um dever oriundo do Xênios ou da ética judaico-cristã, ambas são apresentadas como virtudes, e sua ocorrência não se dá por temor da punição, mas por filantropia e amor. A recompensa material, em ambos os casos, é graciosa, visto não ser esperada.

BIBLIOGRAFIA

O mito da hospitalidade - Baucis e Filemon, disponível em: https://mitologiagrega.net.br/o-mito-da-hospitalidade-baucis-e-filemon/


Zeus - O Protetor dos Deveres da Hospitalidade, disponível em: http://pitonisadefebo.blogspot.com/2009/08/zeus-o-protetor-dos-deveres-da.html


segunda-feira, 1 de abril de 2019

Crítica Literária: Persuasão - Jane Austen

Anne Elliot é a definição literária pra quando alguém pergunta: Ela é bonita? - E respondem: Simpática!

Eu nunca tinha ouvido falar de Jane Austen até o dia que visitei minha namorada, e ela estava assistindo Orgulho e Preconceito, filme que eu gostei bastante. Algumas semanas depois eu folheava o catálogo da Amazon, e encontrei outra obra da autora, chamada Persuasão, e decidi baixar para o meu Kindle. 

Em poucas palavras, o livro traz a história de Anne Elliot,  numa narrativa quase heróica. É a primeira vez que vejo um romance com elementos de monomito tão definidos! A personagem principal é obrigada a deixar o lar no qual cresceu em função de problemas financeiros gerados por seu pai; passa por uma saga de crescimento e ascensão moral e estética, seguida pelo retorno ao lar com desfecho da história!

Anne Elliot é uma mulher que recusou a proposta de casamento do homem que amava por proibição de seu pai, Sr. Walter, e por recomendação de sua melhor amiga e figura materna, Lady Russell. O primeiro julgava ser o pretendente homem de poucas posses, a última considerava o casamento imprudente quase que pela mesma razão, embora alegue uma questão acerca do caráter do rapaz. Após o rompimento Frederick Wentworth segue carreira militar, e a trama gira em torno do seu retorno e reencontro com a amada.

Em primeiro lugar, gostaria de falar do ponto principal da obra: a obstinação do amor. Se num primeiro lugar a minha tendência era dizer que Persuasão é Orgulho e Preconceito com outro desdobramento, mudei de ideia ao apurar que o centro do debate nas duas histórias é sutilmente diferente. Anne e Frederick não lutam contra seu orgulho, e sim contra a mágoa. Eles não combatem um contra o outro, e sim contra si mesmos. O casal apresenta um amor obstinado, que resistiu à oito anos de distância, resistiu a todas as propostas, e principalmente ao passado.

Anne sofre por ver o homem que ama e do qual desistiu retornar, constatando que ainda o amava, e que em contrapartida não demonstrava sentir nada além de respeito. Sofre por acreditar que a mágoa jamais permitiria que fossem amigos, e com a possibilidade de vê-lo desposado. Sofre por saber que ele sempre estaria ali tão próximo, mas ao mesmo tempo tão inalcançável quando se ainda estivesse em alto mar. O amor vence o tempo e as próprias feridas do amor inicialmente não correspondido.

Esta questão fica mais evidente no comportamento de Frederick! Ele repele Anne com todas as forças, mas demonstra seu amor por atitudes que ele mesmo parece não dar conta! É um conflito interno entre o amor e o desejo de não amar. Quantos de nós recusamos nossos sentimentos por termos sido magoados!

Há uma tentativa da história de apresentar um desenvolvimento gradual da personagem, inicialmente apática e pouco estimada por seus familiares, mas que conquista a estima de todos os personagens secundários no curso da história. A partir de um determinado momento, a beleza da personagem começa a ser explorada com determinada frequência, talvez para demonstrar que se tornava mais bela conforme amadurecia, ou para fazer embate com Frederick, que é apresentado a todo o momento como alvo de atenção das mulheres, causando ciúmes e insegurança na protagonista. Assim, se no primeiro momento Anne sente-se mal pela expectativa de ver seu amado casado, na segunda parte do livro é Frederick que se vê cercado de concorrentes dignos, como Benwick!

A tese acerca da maturidade ganha bastante força (embora a segunda seja um recurso narrativo mais convincente) na medida que outra discussão no livro girar em torno da estética. O pai de Anne despreza-a por ser pouco bonita. Há uma crítica bem visível neste caso. Walter e sua filha mais velha são apresentados como pessoas extremamente fúteis, e todas as suas aparições giram em torno da busca por visibilidade social e exaltação do ego e da beleza. Walter chega a desejar um inquilino digno da residência que ele morou, mas que não fosse socialmente superior a ele, para que aos olhos dos outros ele tenha sido o homem mais valoroso a ter residido em Kenlinch Hall. (Cê acredita?!) Em contrapartida, Anne Elliot se torna mais bonita na medida em que convive mais com as pessoas, pois as pessoas a sua volta estimam sua personalidade!

A própria Anne deixa pistas da visão da autora acerca do conflito entre estética e personalidade. O pai, sempre a julgar os outros pela aparência, começa a se apaixonar pela melhor amiga da filha, que ele mesmo considerava feia! A convivência com esta e sua personalidade passaram a "fotoshopar" todos os "defeitos estéticos" que ele apontava. O amor é realmente cego, ou no mínimo tem um bom designer gráfico, já que ele começa a ver o objeto do seu desejo sem sardas no rosto!

A crítica da aparência também aparece personificada no primo Walter, que para não causar confusão vou chamar de Waltinho. Waltinho é apresentado como um homem belo e irrepreensível, até que uma amiga em comum deste com Anne revela a verdade por detrás da aparência! Se quiser descobrir, leia o livro! Este contraste culmina com o arrependimento de Lady Russell por há oito anos julgar tão mal Frederick, na mesma medida que julgou Waltinho bem. As aparências enganam!

Uma questão que não chega a ser incômoda, mais que chamou a minha atenção é a velocidade como as coisas ocorrem. O casal se repele por toda a obra, que vai ter seu desfecho praticamente no último capítulo! Jane Austen constrói uma riqueza de personagens secundários, uma trama complexa onde há sempre um terceiro interessado que impede o casal de ficar junto, pra no final solucionar tudo de maneira extremamente simples e corrida! Uma única carta!


Tudo bem, quem leu o livro vai dizer que a autora deixou muitas "pistas" do amor recíproco no curso do livro, mas mesmo assim! FOI UMA CARTA! NO PENÚLTIMO CAPÍTULO! Não houve sequer uma dificuldade imposta pela família, e com isso nenhuma evolução, pois a permissão se justifica pelo nível social de Frederick. Na melhor das hipóteses, entendo que Anne adquiriu tanta sagacidade que abusou até da falta de moral do pai.

Recomendo muito a leitura do livro! Fazia coisa de mais de um ano que eu não lia um romance, e este me agradou bastante! Aprendam com Anne e Frederick: Se há amor, esquece a ferida! O amor vai ser sempre o menor dos arrependimentos! Se você é como Anne, não recuse o sentimento; se é como Frederick, assim que possível, vença a mágoa! Não sabe qual dos dois? Pegue o livro e descubra!

A importância da arte marcial para o autoconhecimento

Essa é a pergunta que todo pai pesquisará no Google quando seu filho apresentar o ímpeto de praticar alguma arte marcial ou luta: Quais os benefícios do (nome da arte marcial)?

Boa parte do conteúdo encontrado abordará o tema pela perspectiva do desenvolvimento físico, hormônios liberados durante o esporte, o estímulo à sociabilidade e ganho de autoestima.

Neste artigo abordaremos a prática da arte marcial como uma jornada de autoconhecimento. Afinal, o caminho do guerreiro e o da "Pena e Espada", a busca pelo desenvolvimento intelectual e físico. Uma busca individual, de forma que podemos afirmar que a arte marcial é antes de qualquer coisa uma jornada individual.

Em primeiro lugar, a arte marcial desenvolve o conhecimento das próprias limitações.

Horas de treino não servem apenas para aprender e desenvolver técnicas. Aprende-se os seus próprios limites. É constatar a incapacidade de realizar determinado movimento ou sequência, ou mesmo compreender quais técnicas no seu leque de opções você ainda consegue realizar após certo nível de fadiga.

Você será capaz de desenvolver a sua capacidade de pensar, uma vez que aprende a mover-se e agir, tornando-se um estrategista, premeditando reações e conduzindo o combate de acordo com as suas possibilidades. Você treinará as técnicas que se adaptam melhor ao seu estilo de combate. Assim, a arte marcial é em segundo lugar um caminho de autodesenvolvimento.

Unindo o conhecimento dos próprios limites ao desenvolvimento pessoal, o praticante de arte marcial é um indivíduo que equilibra corpo e mente, e se torna extremamente humilde. Reconhecer suas limitações humilha o ego, na medida que reconhecer a própria habilidade desenvolvida evita a autocomiseração e falta de fé nas próprias capacidades.

Por último, a buscar por ser um lutador melhor se transforma na busca por ser um cidadão melhor.

Disciplina, hierarquia e autoridade dentro do dojô são levadas para fora e dispensadas nas relações familiares, profissionais e civis.

A busca pelo desenvolvimento do corpo, dentro da arte marcial, incentiva o desenvolvimento da mente. O lutador verdadeiro é inteligente e quer aprender sempre mais. E isto vai além da técnica. Samurais eram incentivados a escrever poesia, desenhar e ler. Livros como "A Arte da Guerra" e "O Livro dos Cinco Elementos" foram escritos para generais e espadachins.

Podemos concluir que as artes marciais são antes de tudo, um caminho pessoal, e todos os benefícios elencados no início do artigo são consequência do autoconhecimento e crescimento individual.

Daniel e Eclesiastes 11:9-10

 "Jovem, alegre-se em sua juventude! Aproveite cada momento. Faça tudo que desejar; não perca nada! Lembre-se, porém, que Deus lhe pedi...