quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Resenha do Livro: Reino de Deus e Desenvolvimento Social: Uma perspectiva Latino Americana


Depois de meses sem postar nada, eis-me aqui! A razão é que, embora eu esteja lendo mais e produzindo mais textos do que nunca, todos eles são para o seminário. Eu sequer tenho tempo de publicá-los aqui! Pra piorar, tentei mudar a plataforma do blog, e acabei perdendo tempo na Wordpress.
Para mim é um grande prazer (e também uma grande responsabilidade) escrever o presente artigo! O Fábio foi meu mentor durante o tempo que trabalhei num projeto chamado "Papo Alternativo", mas isso não me impede de colocar um olhar crítico de estudante na obra dele!
A questão é... O LIVRO É BOM DEMAIS! O Reverendo Fábio explica de forma clara acerca do seu tema, muito pertinente para nós. Afinal, hoje em dia qualquer proclamação de justiça social é chamada de pauta de esquerda. O problema é que tem gente de má-fé que de fato alega que o evangelho tem espectro político, só pra atrair essa nova geração que graças a Deus começou a olhar com mais carinho para os hipossuficientes do nosso tempo!
A definição acerca do que vem a ser o Reino de Deus pode variar bastante de cristão para cristão, de forma que a obra do autor Fábio Macedo visa estudar as implicações presentes e futuras deste reino. Entre pontos de vista extremamente futuristas ou de aplicação exclusivamente histórica, o autor busca expor o quanto esse Reino é presente, histórico e experimental, sem perder seu caráter espiritual e mesmo escatológico.
O autor traz as concepções bíblicas acerco do tema, desde o Antigo Testamento, elucidando que a própria criação do cosmos aponta para o reinado de Deus, na medida em que Ele não apenas criou todas as coisas como as sustém pela eternidade. Toda a criação sempre estará sujeita ao Seu poder. Deus é considerado como o Rei acima de todos os reis e deuses, como o governador do mundo. Quanto às expectativas messiânicas, o autor aborda exemplos em todo o Antigo Testamento de ações e personagens que prefiguraram a obra que Cristo haveria de realizar.
Quando o autor declara que as expectativas do Reino de Deus cumprem-se na Pessoa de Jesus, do Seu ensino, sinas e prodígios, deixa claro que o reino messiânico vai além do Reino eterno que aguardamos no fim dos tempos. Isso porque o Reino de Deus apontado nos evangelhos, conforme comprovado pelo autor, demonstra não apenas uma realidade escatológica, como também uma realidade presente.
Há diversas passagens que evidenciam um reino futuro, e outras tantas que o apresentam como parte da realidade do povo cristão. O autor esclarece de forma brilhante que, quando declaramos que o reino de Deus está em nós/entre nós, declaramos que Cristo Reina em nossas vidas. Reinando entre sua igreja perseverante, o reino de Deus não deixa de existir de forma invisível e intangível; mas também não deixa de mudar a realidade visível e se manifestar em coisas tangíveis. Para ressaltar que o Reino de Deus é tanto uma realidade quanto uma expectativa, o autor nos lembra que o conceito de eternidade não apenas como algo que não tem fim, mas também como uma realidade sem começo, sempre existente.
Portanto, quando dizemos que o Reino de Deus é eterno, declaramos que Cristo não se tornará o Rei apenas no fim dos tempos, mas que Ele reina sobre todas as coisas no tempo presente. Não apenas sobre a vida de todos que nEle crêem, como também daqueles que negam-lhe a fé, por ter recebido o nome sobre todo nome. Entretanto, sendo a realização da vontade de Deus, o Reino não está perfeitamente realizado nesta era, visto que parte da vontade de Deus está reservada para o fim dos tempos.
É certo que no curso da história essa visão de Reino foi desconsiderada. A teologia do século XIX, com o seu Jesus histórico, tornou irrelevantes quaisquer referências a um Reino futuro. A idéia do evangelho social era estabelecer o reino presente, que consiste em fazer a vontade de Deus na terra.
O autor também destaca a forma como a visão do Reino de Deus afeta a missão da igreja. Trazer o Reino de Deus como uma perspectiva presente e futura nos incita a praticar o bem e a justiça social, mas também nos dá esperança e forças para seguir a caminhada. A autoridade do Rei se manifesta para a igreja, seu poder transforma a realidade humana, a igreja revela e aponta para o Rei, realizando a sua missão. Um ponto de destaque se dá pelo esclarecimento do autor de que a vida eterna não é outra vida, mas a vida presente, ressurreta na vida de Cristo. A vida eterna é a nossa vida projetada para a eternidade, sem descontinuidade desta existência para a que está por vir.
Assim, o terceiro capítulo da obra é dedicado a demonstrar como o Reino de Deus transforma a sociedade. O Reino gera uma consciência transformadora e histórica, que nas palavras do autor “revela uma práxis que afeta diretamente nossa postura social, política e religiosa” sem deixar de ser uma realidade transcendente e eterna. Vemos esta visão refletir na Teologia da Libertação e suas influências na América-latina, na qual a realidade do Reino está diretamente ligada à transformação social, com respostas práticas à questões concretas como fome, justiça, racismo e outros temas.
As reflexões acerca da transformação social culminaram na Teologia da Missão Integral, pela qual o evangelho deve ser levado a todos os homens, e ao homem todo. Com isto, define-se que tanto os aspectos físicos quanto os espirituais do homem devem ser levados em consideração. O homem passa a ser considerado em sua integralidade, de forma que o autor defende a necessidade de se fazer teologia que leve em consideração a população Latino-Americana e suas demandas. Também ratifica a necessidade de compreender nossa cultura para realizar a missão de forma mais eficaz.
Isso é fato! É falta de senso só orar pelo que tem fome, se você tem comida para oferecer! Não to falando de dar o que vai lhe faltar, mas de ter condições de atender a demanda do outro e não fazer! Não adianta só pregar que o homem deve deixar seus vícios, se ao menos não tentarmos ensiná-lo como fazer isso! No mínimo encaminhar as pessoas em direção a quem possa efetivamente ajudar!
O autor conclui a obra abordando a relação da Igreja com o Reino de Deus, ressaltando que no Novo Testamento a igreja é compreendida como comunidade do Reino, sem, entretanto, ser confundida com o mesmo. Ela é agente e testemunha do Reino celestial.
Desejo tudo de bom ao Reverendo Fábio Macedo! Se a igreja dele aplicar tudo que o livro ensina, poderei descansar que há uma igreja séria cuidando das pessoas!


terça-feira, 26 de novembro de 2019

Resenha do Livro: Igrejas que Transformam o Brasil




A obra dos autores Ed Stetzer e Sérgio Queiroz busca analisar diversos fatores e características das igrejas consideradas saudáveis, e que trazem mudanças não apenas para os seus próprios membros, como para toda a sociedade dentro de sua área de atuação. Para isto, os autores salientam a necessidade de haver equilíbrio de doutrina e proclamação do amor de Deus.

O objetivo dos autores é desenvolver um conceito de igreja que vai além das quatro paredes de seus próprios templos, mediante a análise de diversas igrejas locais por todo o Brasil, sem acepção de denominação. Essa abordagem não apenas apresenta todas as igrejas locais como integrantes de uma única igreja, como também deixa evidente que há determinadas características das comunidades de fé que podem apontar realidades globais. Outro grande ponto positivo desta abordagem é que analisa o tema na perspectiva brasileira. No geral importamos material estrangeiro acerca do assunto, que por vezes destoam da nossa realidade social.

Logo no primeiro capítulo um conceito base nos é apresentado: A igreja como o instrumento de Deus para os propósitos do Reino. Isto faz de cada cristão um instrumento de Deus para edificação da igreja e pregação para o mundo. Fica evidente que para os autores esta visão acerca do papel da igreja e do cristão é o marco inicial para as igrejas brasileiras comecem a causar impacto na sociedade. Em sentido contrário, o fato da igreja brasileira ter esquecido do seu papel de querigma e limitado-se, em sua grande maioria, a promover as reuniões para aqueles que já integram o seu quadro de membros e a razão pela qual a atual  contribuição cristã evangélica para o Brasil é quase nula.

Assim, os autores desenvolvem o conceito de igreja transformacional, definida como “aquela que se concentra tenazmente na capacidade do evangelho de mudar a vida das pessoas” (página 32); o que é definido e exaustivamente abordado por Mark Dever como igreja intencional. Essa diferença terminológica justifica-se pela vinculação da intencionalidade não à igreja, mas aos relacionamentos. Os relacionamentos intencionais são um meio para que a igreja se torne transformacional, operando o primeiro conceito no rol de objetivos, enquanto este último encontra-se na eficácia. Mudanças externas só ocorrerão quando a igreja retomar seus objetivos.

Os autores levam em consideração que a eficácia de uma igreja tem sido medida por um velho padrão americano que considera o número de pessoas que frequentam as atividades da igreja (cabeças), o orçamento e capital da igreja (conta bancária), e o tamanho da estrutura física da igreja (construções).

O problema se dá pois a importação de modelos avaliativos estrangeiros esbarra na realidade brasileira, o que novamente é apontado pelos autores. Em seguida, apresentam um novo modelo de medida da eficácia da igreja, que considera não a quantidade, mas a qualidade de determinados aspectos da igreja. Não basta igrejas repletas de pessoas que não podem ser consideradas discípulas de Cristo. Assim, o novo modelo leva em consideração o quão bem-sucedidas as igrejas tem sido em fazer discípulos.

Não apenas os números, como também a capacidade da igreja oferecer oportunidades dos membros desenvolverem relacionamentos de longa duração, práticas espirituais baseadas na Palavra e o uso das mesmas para produzir transformação. Isto é denominado pelos autores como Ciclo Transformacional, o qual considera: (1) o discernimento da igreja, mediante uma mentalidade missionária; (2) a capacidade da igreja abraçar, caracterizada pela liderança apaixonada, relacionamentos estáveis e principalmente na ênfase em oração; (3) o envolvimento na adoração, vida comunitária e missão da igreja.

Conceitos como uma liderança dinâmica, que independe de cargo eclesiástico ou título, bem como a percepção do evangelismo como um estilo de vida, e não um programa ou mera atividade são conceitos destacáveis nestes pontos.

A partir do terceiro capítulo da obra os autores se dedicam a trabalhar cada um dos tópicos do ciclo transformacional, iniciando pela mentalidade missionária. Para eles um grande problema tem sido um foco excessivo das igrejas em si mesmas, fazendo com que as mesmas sejam irrelevantes para o local onde estão inseridas. Para que uma igreja seja transformacional ela deve compreender que se foi inserida em uma determinada comunidade, e para transformá-la. É comum ver igrejas e congregações totalmente destoantes e mesmo alienadas em relação ao seu contexto geográfico, como se estivessem se escondendo ou evitando as pessoas a sua volta.

Alguns relatos de igrejas consideradas transformacionais trazem exemplos de como agir em prol e de acordo com as pessoas que circunvizinham a igreja, como por exemplo, a regionalização dos ritmos, consulta às autoridades locais acerca da igreja e sua atuação, entre outras medidas.

É importante ressaltar, assim como apontado pelos autores, que esta dimensão mais pessoal da igreja não exclui seu dever de enviar missionários em caráter global. A igreja deve cuidar de si, da comunidade a sua volta, mas também de pessoas e grupos espalhados por todo o planeta.

Em seguida, os autores trabalham o conceito de liderança vibrante, caracterizada pela valorização dos dons e talentos daqueles que são liderados. Ensinam que um verdadeiro líder não concentra em si o foco e atividades da igreja. Liderar é conduzir o outro na descoberta do seu lugar no Corpo, preparando-o para preparar aqueles que virão depois dele. Líderes transformacionais investem na formação de outros líderes e desejam que cada vez mais pessoas se engajem na obra, sempre salientando o sacerdócio universal de todos os crentes dentro e fora das atividades da igreja. Neste tópico, o capítulo é encerrado com exemplos de liderança transformacional pelo próprio Senhor Jesus Cristo, que deve ser o modelo a ser seguido por todo cristão.

Já no quinto capítulo o conceito de intencionalidade vem a ser trabalhado na esfera das construções de relacionamento. Uma igreja que transforma o Brasil é apresentada como aquela na qual as pessoas investem em relacionamentos, e fazem isso de forma planejada. Há intenção de amar e valorizar as pessoas em sua caminhada com Cristo. Ser relacional e intencional são coisas diferentes, pois o cristão relacional investe em construir relações, enquanto o intencional constrói relações para glória de Deus, visando a edificação do outro. Fica claro que a iniciativa de aproximar-se não deve ser daquele que está chegando, mas daquele que já está dentro.

Concordo com os Autores acerca da necessidade dos pequenos grupos, pois são eficazes mecanismos nas construções de relacionamentos, o que acabou sendo posto de lado em território brasileiro pelo trauma das experiências com G12, M12 e afins.

Também apontam a necessidade da igreja dar ênfase a oração, visto ser o que constrói uma relação estreita entre Deus e o homem. Assim, igrejas transformacionais são aquelas que investem seu tempo e incentivam seus membros a orarem. Não o fazem de forma meramente litúrgica, mas de forma espontânea, por diversas vezes, em busca de compreensão e afeição por parte do Senhor. Líderes de uma igreja transformacional precisam ter uma vida de oração, a fim de dar o exemplo aos demais. Os autores são claros: “Onde as pessoas oram, Deus opera. Onde Deus opera, a transformação acontece.”

A adoração também é apontada como uma marca de uma igreja transformacional. Uma igreja disposta a transformar o Brasil deve render-se e adorar ao Senhor diante da revelação de Cristo e poder do Espírito Santo. A adoração conecta as pessoas com Cristo, equipando-as para o ministério. Não se confunde com o estilo do louvor ou meramente a liturgia, mas engloba a resposta da congregação à obra de Cristo na cruz. Aliás, o estilo e planejamento do culto não devem levar em consideração as preferências pessoais do pastor, e sim a comunidade, de forma contextualizada. Os autores são exaustivos na tentativa de diferenciar adoração de louvor, dedicando muito tempo a abordagem sobre o tema. Ao final do capítulo adoração é trabalhada exclusivamente na figura do louvor, com diversos conselhos para escolha dos mesmos de forma contextualizada, porém adequada a Palavra de Deus.

Já o conceito de vida comunitária trazido pelos autores de certa forma trabalha pontos já abordados nos relacionamentos intencionais, inclusive no que diz respeito ao incentivo à pequenos grupos, que na verdade acabou sendo o foco do capítulo, pela ênfase na máxima participação de todos os membros.

O último tópico do livro encerra o Ciclo Transformacional. A missão é definida como a razão de existência da igreja e o evangelismo como parte natural da vida. Não se fala de momentos de missão da igreja, mas de missão a todo o momento, por ser parte crucial da igreja. A missão deve estar comprometida em levar a igreja para a cidade, mesmo que a cidade não procure a igreja. Neste sentido, podemos entender que a igreja não apenas prega o Reino, mas insere o Reino invisível na realidade visível das pessoas, através da justiça social e envolvimento com a sua comunidade e contexto.

A igreja deve definir um objetivo, preparar-se para o evangelismo, e obviamente para a oposição. O líder deve liderar a igreja, ao mesmo tempo que lidera as pessoas mediante discipulado e acompanhamento pessoal.

Podemos concluir que o livro traz uma boa proposta, com informações baseadas em uma pesquisa de mais de cinco anos. Entretanto, cabe a ressalva ao método utilizado pelos autores, uma vez que, ainda que a pesquisa seja plural no tocante as igrejas, as respostas foram dadas pelos próprios pastores e membros das igrejas entrevistas.

Há de se considerar a possibilidade de que parte destes irmãos possam ter superestimado a sua igreja. É comum que tenhamos dificuldades de nos posicionarmos de maneira contrária ou negativa às nossas próprias comunidades de fé. Não há como os autores apurarem a veracidade das informações coletadas, tornando a pesquisa, de certa forma, uma questão de confiança. Desta forma, torna-se arriscado atribuir às igrejas entrevistadas o título de transformacionais, uma vez que a despeito das respostas dadas pelos membros, poder-se-ia descobrir sérios problemas na igreja que chamariam a atenção e gerariam escândalos.

Por fim, a obra funciona como um manual prático para as igrejas, com diversos conselhos, exemplos e casos concretos. O livro é pragmático, no melhor dos sentidos, sem abrir mão da fundamentação bíblica, de forma que concilia teoria e prática de uma forma extremamente natural. A igreja transformacional precisa estar atenta à todos os aspectos do Ciclo Transformacional, sempre buscando se lapidar naqueles em que estiver em falta.

Memento Mori



Há algumas semanas eu abri o contato do Whatsapp do nosso irmão Nicolas Viana e dei de cara com o sua frase de status que dizia "Memento mori". Fiquei curioso, e após alguns minutos de pesquisa descobri o significado:

"Lembre-se, você irá morrer!"

O mais interessante foi descobrir que essa frase era proferida durante o Triunfo Romano de um herói de guerra! Na última vez que preguei na minha igreja, ponderei sobre três aspectos da Paixão de Cristo que ressaltam sua majestade: a coroa, a espada e o triunfo.

Neste último ponto, deixei claro que o sofrimento de Cristo no caminho até a Gólgota poderia ser comparado à cerimônia do Triunfo Romano. Cristo naquele momento era o herói de guerra que venceu a morte, e desfilou por Jerusalém vestido do escarlate do seu sangue, levando na cabeça uma coroa de espinhos.

Quando eu preparei o sermão não tinha conhecimento de um outro aspecto do Triunfo Romano! O herói de guerra desfilava acompanhado por alguém que, em meio às comemorações e homenagens, sussurrava constantemente ao seu ouvido "Memento mori"... Lembre-se, você vai morrer!

Assim, o general não perderia de vista que a sua glória era passageira. Talvez durasse algumas gerações, mas ainda assim, a morte teria posto fim ao grande herói! Cedo ou tarde seu brilhantismo ou a força dos seus músculos não existiriam! Aquele homem, como todos os demais, iria morrer!

Mas com o Senhor Jesus foi diferente! A morte não era o fim da sua glória e poder. Diferente do herói de guerra humano, com Cristo não se ressalta "Você irá morrer!", mas sim "Ressuscitou! Ele vive!"

Enquanto o homem é lembrado que sua vida e conquistas são passageiras, Cristo verá o fruto do Seu penoso trabalho e se alegrará eternamente! Ele reina triunfante pela eternidade! E por esta razão somos lembrados diariamente que Ele voltará para buscar aos seus!

Memento quod et revertetur

Resenha do livro: História das Doutrinas Cristãs - Louis Berkhof

Um cara com um nome difícil, e uma pegada teológica bem pesada: Louis Berkhof! Não sei se é apenas o meu ponto de vista, mas sempre considerei que esse autor escreve pressupondo que você tem uma série de conhecimentos prévios. Não me recordo o nome do livro, mas tive contato com uma obra dele na qual ele abordava formação do cânon pressupondo que você conhecia uma série de temas sobre cultura judaica! Mas enfim...


A obra aborda a História das Doutrinas do Cristianismo, que, embora o autor aponte a diferença dos termos “doutrina” e “dogma”, acaba por usar o primeiro como sinônimo do segundo. Assim, nas palavras do autor, a doutrina é a expressão direta de uma verdade religiosa; ao passo que o dogma é uma realidade religiosa baseada sobre autoridade, oficialmente formulada por qualquer assembléia eclesiástica. Quando diz que um dogma “pode ser definido como uma doutrina, derivada da Bíblia, oficialmente definida pela Igreja e declarada firmada sobre a autoridade divina” o autor está unindo os elementos definidores da doutrina, do dogma, bem como adicionando a ação de Deus na condução da formulação.
Cabe ressaltar que nos primeiros capítulos a obra adota um tom mais doutrinário, no qual o autor estabelece os fundamentos para compreensão do tema, mediante a definição de termos e sua construção história. Após, o livro aborda as doutrinas cristãs em sete blocos temáticos, onde cada capítulo aborda o tema em determinado período histórico. Também precisa ser destacado que, ainda que o autor aborde as controvérsias com base na sua cronologia, o método adotado na literatura leva em consideração os temas até a exaustão de sua discussão. Podemos citar como exemplos as discussões cristológicas, que são abordadas nos Concílios do Período da Patrística e retornam nos séculos XVIII e XIX com as definições do Jesus Histórico.
O leitor precisa considerar tais informações, pois, se por um lado exaure o debate sem a interrupção para discorrer outros temas; por outro lado o autor não se preocupa em definir quais controvérsias foram concomitantes. Cite-se como exemplo que as controvérsias da doutrina do pecado, da graça e da expiação ocorreram no Oriente durante ao mesmo período, assim como o fato das mesmas serem concomitantes aos debates cristológicos no Oriente.
O livro, semelhante à obra do autor Roger Olson, demonstra que toda a construção dogmática da igreja é sustentada pela vida dos seus construtores, mantendo certa continuidade lógica e histórica. Não se tratavam de meras especulações ou amor ao debate, mas da própria construção da base da igreja, que durante certo período não teve o cânon completo. Os debates cristológicos foram conseqüência dos debates trinitários que os antecedeu, que por sua vez acompanham todos os debates filosóficos, perversões judaicas e acusações de politeísmo do seu período histórico.
Todo o desenvolvimento doutrinário iniciou com as perversões do evangelho, tanto da parte do judaísmo quanto dos gentios, devendo-se destacar o gnosticismo como o maior inimigo da igreja primitiva. Assim, coube aos Pais da Igreja defender o ensino dos apóstolos quanto a pessoa de Cristo, a autoridade dos escritos apostólicos e a salvação. Destaque-se as controvérsias acerca da caracterização de Jesus como o Logos, conceito vinculado à filosofia grega; a natureza da obra salvífica, que os gnósticos vinculavam à recepção de um conhecimento especial e superior ao dos apóstolos; e a relação entre o Pai e o Filho debatida pelo monarquismo.
Essas controvérsias foram o pano de fundo para que a controvérsia trinitariana eclodisse com o conflito de Ário e Atanásio, resolvido em parte pelo Concílio de Niceia. Entretanto, como a definição nicena não satisfez nem os seguidores de Ário e nem os de Atanásio, razão pela qual os o Concílio da Constantinopla foi instaurado para reformular o credo, inclusive considerando os debates dos Pais Capadócios acerca do Espírito Santo. As discussões trinitárias receberam novo ânimo com o retorno do sabelianismo e subordinacionismo no período da Reforma e após.
Quanto à doutrina de Cristo, as discussões tiveram início com as controvérsias oriundas dos debates trinitarianos, com grupos ebionitas, alogi e monarquianos dinâmicos que negavam a deidade de Jesus; ao mesmo tempo que docéticos, gnósticos e modalistas rejeitavam a humanidade. É certo que o Concílio de Calcedônia não foi suficiente para por fim a questão, cujo debate retornou com os monofisistas e outros grupos. Esse debate não ocupou a base das discussões durante a Idade Média. Destaca-se a ação de Tomás de Aquino, que aderia à doutrina da união hipostática. Durante o período da Reforma a cristologia luterana reflete na forma como se entende a Eucaristia. Para Lutero, as duas naturezas se permeiam, e a humanidade de Cristo participa dos atributos da divindade.
A abordagem da história da cristologia realizada por Berkhof é sem dúvidas a mais elaborada. Visto que aborda desde o período dos Pais Apostólicos até as discussões no século XIX acerca da abordagem de Cristo, que na concepção dos teólogos modernos deveria partir do Jesus Histórico, e não dos atributos divinos e revelação especial acerca de Cristo. Ademais, Jesus é despido de parte da sua obra, sendo abordado como um mártir ou exemplo de autruísmo.
Em seguida o autor aborda a doutrina do pecado e da graça, com destaque à Agostinho e Pelágio, cujo embate permeou toda a discussão subseqüente, que hoje é melhor conhecida nas posições de Armínio e João Calvino acerca da depravação, livre-arbítrio e soberania de Deus. Também destaca o arminianismo wesleyano (que diverge do clássico em alguns pontos como a graça para ter fé e arrependimento) e as posições pós-reformas, que contemplam o pecado até mesmo como um mal metafísico, e não ético; ou, como no caso de Schleiermacher, considerá-lo como produto da natureza sensual do homem.
A doutrina da expiação é abordada inicialmente com a teologia dos Pais gregos até o período pós-reforma. Destaque-se a Teoria da Recapitulação apresentada por Irineu, pela qual Cristo teria recapitulado em si todas as etapas e experiências da vida humana, revertendo a obra de Adão e transmitindo aos homens a sua imortalidade. Já Anselmo fez a primeira tentativa de expor a doutrina da expiação de forma harmoniosa e coerente, criticando as teorias da recapitulação e do resgate, justificando a obra redentora como necessária em razão da honra de Deus, a qual o homem deveria ter se sujeitado. Visões sincretistas que fundamentam a expiação também são abordadas, como a tese de Pedro Lombardo. Tomás de Aquino abordava que a expiação não era totalmente necessária, visto que Deus poderia ter permitido que a humanidade perecesse; bem como Deus poder redimir toda a humanidade sem exigir qualquer satisfação adequada. Para os Reformadores, a expiação mediante os sofrimentos e morte de Jesus estão em plena harmonia com a sabedoria divina. No período após a Reforma, diversas teorias foram formuladas, tais quais a de Schleiermacher, Ritschl e Bushnell.
Consequentemente, com a doutrina da expiação desenvolve-se a doutrina da aplicação da graça divina. Se num primeiro momento a igreja entendeu a soteriologia através dos conceitos de arrependimento e fé, no período da reforma os luteranos passam a abordá-la em torno da fé e da justificação, tratando o arrependimento e regeneração como passos preparatórios para conduzir o pecador a Cristo. Quanto aos arminianos, ensinaram que Deus outorgou ao homem uma graça universal e suficiente para capacitar os pecadores a crer no evangelho e ser obediente.
A obra encerra com a doutrina das últimas coisas, que segundo o autor, não teve grandes modificações no curso da história, e nem foi o centro da atenção, de forma que os Pais Apostólicos sequer refletiram sobre o estado intermediário, pois tinham a idéia de glória ou punição imediata após a morte. Essa visão evoluiu com os Pais posteriores, que ensinavam que os mortos descem ao Hades até o momento do juízo final, evoluindo para formulação da figura do purgatório, a qual encontrou oposição perto do fim da Idade Média, através de John Huss e John Wycliffe.
Quanto à volta de Cristo, a visão do retorno milenar imediato foi sendo ultrapassada gradualmente no curso da história. A doutrina do milênio foi rejeitada pelas igrejas protestantes, ressurgindo com nova roupagem no século XVII na forma de um reino mais espiritual do que material. Entretanto, por mais que tenha ganhado certa força, a doutrina do milênio ainda não foi incorporada em qualquer confissão de fé, de forma que, nas definições do termo, não pode ser considerada um dogma da Igreja, mas apenas uma doutrina de grande repercussão.
Por fim, acho que não poderia deixar de elogiar as perguntas que ele faz ao final de cada capítulo! A verdade é que o autor te incentiva a reforçar tudo que aprendeu, e de certa forma, é um bom mecanismo para usar o livro para preparar uma aula pra EBD, pois coloca o teor do capítulo nas suas próprias palavras. Assim, é possível montar o seu próprio resumo.

Daniel e Eclesiastes 11:9-10

 "Jovem, alegre-se em sua juventude! Aproveite cada momento. Faça tudo que desejar; não perca nada! Lembre-se, porém, que Deus lhe pedi...