quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Resenha do Livro: Reino de Deus e Desenvolvimento Social: Uma perspectiva Latino Americana


Depois de meses sem postar nada, eis-me aqui! A razão é que, embora eu esteja lendo mais e produzindo mais textos do que nunca, todos eles são para o seminário. Eu sequer tenho tempo de publicá-los aqui! Pra piorar, tentei mudar a plataforma do blog, e acabei perdendo tempo na Wordpress.
Para mim é um grande prazer (e também uma grande responsabilidade) escrever o presente artigo! O Fábio foi meu mentor durante o tempo que trabalhei num projeto chamado "Papo Alternativo", mas isso não me impede de colocar um olhar crítico de estudante na obra dele!
A questão é... O LIVRO É BOM DEMAIS! O Reverendo Fábio explica de forma clara acerca do seu tema, muito pertinente para nós. Afinal, hoje em dia qualquer proclamação de justiça social é chamada de pauta de esquerda. O problema é que tem gente de má-fé que de fato alega que o evangelho tem espectro político, só pra atrair essa nova geração que graças a Deus começou a olhar com mais carinho para os hipossuficientes do nosso tempo!
A definição acerca do que vem a ser o Reino de Deus pode variar bastante de cristão para cristão, de forma que a obra do autor Fábio Macedo visa estudar as implicações presentes e futuras deste reino. Entre pontos de vista extremamente futuristas ou de aplicação exclusivamente histórica, o autor busca expor o quanto esse Reino é presente, histórico e experimental, sem perder seu caráter espiritual e mesmo escatológico.
O autor traz as concepções bíblicas acerco do tema, desde o Antigo Testamento, elucidando que a própria criação do cosmos aponta para o reinado de Deus, na medida em que Ele não apenas criou todas as coisas como as sustém pela eternidade. Toda a criação sempre estará sujeita ao Seu poder. Deus é considerado como o Rei acima de todos os reis e deuses, como o governador do mundo. Quanto às expectativas messiânicas, o autor aborda exemplos em todo o Antigo Testamento de ações e personagens que prefiguraram a obra que Cristo haveria de realizar.
Quando o autor declara que as expectativas do Reino de Deus cumprem-se na Pessoa de Jesus, do Seu ensino, sinas e prodígios, deixa claro que o reino messiânico vai além do Reino eterno que aguardamos no fim dos tempos. Isso porque o Reino de Deus apontado nos evangelhos, conforme comprovado pelo autor, demonstra não apenas uma realidade escatológica, como também uma realidade presente.
Há diversas passagens que evidenciam um reino futuro, e outras tantas que o apresentam como parte da realidade do povo cristão. O autor esclarece de forma brilhante que, quando declaramos que o reino de Deus está em nós/entre nós, declaramos que Cristo Reina em nossas vidas. Reinando entre sua igreja perseverante, o reino de Deus não deixa de existir de forma invisível e intangível; mas também não deixa de mudar a realidade visível e se manifestar em coisas tangíveis. Para ressaltar que o Reino de Deus é tanto uma realidade quanto uma expectativa, o autor nos lembra que o conceito de eternidade não apenas como algo que não tem fim, mas também como uma realidade sem começo, sempre existente.
Portanto, quando dizemos que o Reino de Deus é eterno, declaramos que Cristo não se tornará o Rei apenas no fim dos tempos, mas que Ele reina sobre todas as coisas no tempo presente. Não apenas sobre a vida de todos que nEle crêem, como também daqueles que negam-lhe a fé, por ter recebido o nome sobre todo nome. Entretanto, sendo a realização da vontade de Deus, o Reino não está perfeitamente realizado nesta era, visto que parte da vontade de Deus está reservada para o fim dos tempos.
É certo que no curso da história essa visão de Reino foi desconsiderada. A teologia do século XIX, com o seu Jesus histórico, tornou irrelevantes quaisquer referências a um Reino futuro. A idéia do evangelho social era estabelecer o reino presente, que consiste em fazer a vontade de Deus na terra.
O autor também destaca a forma como a visão do Reino de Deus afeta a missão da igreja. Trazer o Reino de Deus como uma perspectiva presente e futura nos incita a praticar o bem e a justiça social, mas também nos dá esperança e forças para seguir a caminhada. A autoridade do Rei se manifesta para a igreja, seu poder transforma a realidade humana, a igreja revela e aponta para o Rei, realizando a sua missão. Um ponto de destaque se dá pelo esclarecimento do autor de que a vida eterna não é outra vida, mas a vida presente, ressurreta na vida de Cristo. A vida eterna é a nossa vida projetada para a eternidade, sem descontinuidade desta existência para a que está por vir.
Assim, o terceiro capítulo da obra é dedicado a demonstrar como o Reino de Deus transforma a sociedade. O Reino gera uma consciência transformadora e histórica, que nas palavras do autor “revela uma práxis que afeta diretamente nossa postura social, política e religiosa” sem deixar de ser uma realidade transcendente e eterna. Vemos esta visão refletir na Teologia da Libertação e suas influências na América-latina, na qual a realidade do Reino está diretamente ligada à transformação social, com respostas práticas à questões concretas como fome, justiça, racismo e outros temas.
As reflexões acerca da transformação social culminaram na Teologia da Missão Integral, pela qual o evangelho deve ser levado a todos os homens, e ao homem todo. Com isto, define-se que tanto os aspectos físicos quanto os espirituais do homem devem ser levados em consideração. O homem passa a ser considerado em sua integralidade, de forma que o autor defende a necessidade de se fazer teologia que leve em consideração a população Latino-Americana e suas demandas. Também ratifica a necessidade de compreender nossa cultura para realizar a missão de forma mais eficaz.
Isso é fato! É falta de senso só orar pelo que tem fome, se você tem comida para oferecer! Não to falando de dar o que vai lhe faltar, mas de ter condições de atender a demanda do outro e não fazer! Não adianta só pregar que o homem deve deixar seus vícios, se ao menos não tentarmos ensiná-lo como fazer isso! No mínimo encaminhar as pessoas em direção a quem possa efetivamente ajudar!
O autor conclui a obra abordando a relação da Igreja com o Reino de Deus, ressaltando que no Novo Testamento a igreja é compreendida como comunidade do Reino, sem, entretanto, ser confundida com o mesmo. Ela é agente e testemunha do Reino celestial.
Desejo tudo de bom ao Reverendo Fábio Macedo! Se a igreja dele aplicar tudo que o livro ensina, poderei descansar que há uma igreja séria cuidando das pessoas!


terça-feira, 26 de novembro de 2019

Resenha do Livro: Igrejas que Transformam o Brasil




A obra dos autores Ed Stetzer e Sérgio Queiroz busca analisar diversos fatores e características das igrejas consideradas saudáveis, e que trazem mudanças não apenas para os seus próprios membros, como para toda a sociedade dentro de sua área de atuação. Para isto, os autores salientam a necessidade de haver equilíbrio de doutrina e proclamação do amor de Deus.

O objetivo dos autores é desenvolver um conceito de igreja que vai além das quatro paredes de seus próprios templos, mediante a análise de diversas igrejas locais por todo o Brasil, sem acepção de denominação. Essa abordagem não apenas apresenta todas as igrejas locais como integrantes de uma única igreja, como também deixa evidente que há determinadas características das comunidades de fé que podem apontar realidades globais. Outro grande ponto positivo desta abordagem é que analisa o tema na perspectiva brasileira. No geral importamos material estrangeiro acerca do assunto, que por vezes destoam da nossa realidade social.

Logo no primeiro capítulo um conceito base nos é apresentado: A igreja como o instrumento de Deus para os propósitos do Reino. Isto faz de cada cristão um instrumento de Deus para edificação da igreja e pregação para o mundo. Fica evidente que para os autores esta visão acerca do papel da igreja e do cristão é o marco inicial para as igrejas brasileiras comecem a causar impacto na sociedade. Em sentido contrário, o fato da igreja brasileira ter esquecido do seu papel de querigma e limitado-se, em sua grande maioria, a promover as reuniões para aqueles que já integram o seu quadro de membros e a razão pela qual a atual  contribuição cristã evangélica para o Brasil é quase nula.

Assim, os autores desenvolvem o conceito de igreja transformacional, definida como “aquela que se concentra tenazmente na capacidade do evangelho de mudar a vida das pessoas” (página 32); o que é definido e exaustivamente abordado por Mark Dever como igreja intencional. Essa diferença terminológica justifica-se pela vinculação da intencionalidade não à igreja, mas aos relacionamentos. Os relacionamentos intencionais são um meio para que a igreja se torne transformacional, operando o primeiro conceito no rol de objetivos, enquanto este último encontra-se na eficácia. Mudanças externas só ocorrerão quando a igreja retomar seus objetivos.

Os autores levam em consideração que a eficácia de uma igreja tem sido medida por um velho padrão americano que considera o número de pessoas que frequentam as atividades da igreja (cabeças), o orçamento e capital da igreja (conta bancária), e o tamanho da estrutura física da igreja (construções).

O problema se dá pois a importação de modelos avaliativos estrangeiros esbarra na realidade brasileira, o que novamente é apontado pelos autores. Em seguida, apresentam um novo modelo de medida da eficácia da igreja, que considera não a quantidade, mas a qualidade de determinados aspectos da igreja. Não basta igrejas repletas de pessoas que não podem ser consideradas discípulas de Cristo. Assim, o novo modelo leva em consideração o quão bem-sucedidas as igrejas tem sido em fazer discípulos.

Não apenas os números, como também a capacidade da igreja oferecer oportunidades dos membros desenvolverem relacionamentos de longa duração, práticas espirituais baseadas na Palavra e o uso das mesmas para produzir transformação. Isto é denominado pelos autores como Ciclo Transformacional, o qual considera: (1) o discernimento da igreja, mediante uma mentalidade missionária; (2) a capacidade da igreja abraçar, caracterizada pela liderança apaixonada, relacionamentos estáveis e principalmente na ênfase em oração; (3) o envolvimento na adoração, vida comunitária e missão da igreja.

Conceitos como uma liderança dinâmica, que independe de cargo eclesiástico ou título, bem como a percepção do evangelismo como um estilo de vida, e não um programa ou mera atividade são conceitos destacáveis nestes pontos.

A partir do terceiro capítulo da obra os autores se dedicam a trabalhar cada um dos tópicos do ciclo transformacional, iniciando pela mentalidade missionária. Para eles um grande problema tem sido um foco excessivo das igrejas em si mesmas, fazendo com que as mesmas sejam irrelevantes para o local onde estão inseridas. Para que uma igreja seja transformacional ela deve compreender que se foi inserida em uma determinada comunidade, e para transformá-la. É comum ver igrejas e congregações totalmente destoantes e mesmo alienadas em relação ao seu contexto geográfico, como se estivessem se escondendo ou evitando as pessoas a sua volta.

Alguns relatos de igrejas consideradas transformacionais trazem exemplos de como agir em prol e de acordo com as pessoas que circunvizinham a igreja, como por exemplo, a regionalização dos ritmos, consulta às autoridades locais acerca da igreja e sua atuação, entre outras medidas.

É importante ressaltar, assim como apontado pelos autores, que esta dimensão mais pessoal da igreja não exclui seu dever de enviar missionários em caráter global. A igreja deve cuidar de si, da comunidade a sua volta, mas também de pessoas e grupos espalhados por todo o planeta.

Em seguida, os autores trabalham o conceito de liderança vibrante, caracterizada pela valorização dos dons e talentos daqueles que são liderados. Ensinam que um verdadeiro líder não concentra em si o foco e atividades da igreja. Liderar é conduzir o outro na descoberta do seu lugar no Corpo, preparando-o para preparar aqueles que virão depois dele. Líderes transformacionais investem na formação de outros líderes e desejam que cada vez mais pessoas se engajem na obra, sempre salientando o sacerdócio universal de todos os crentes dentro e fora das atividades da igreja. Neste tópico, o capítulo é encerrado com exemplos de liderança transformacional pelo próprio Senhor Jesus Cristo, que deve ser o modelo a ser seguido por todo cristão.

Já no quinto capítulo o conceito de intencionalidade vem a ser trabalhado na esfera das construções de relacionamento. Uma igreja que transforma o Brasil é apresentada como aquela na qual as pessoas investem em relacionamentos, e fazem isso de forma planejada. Há intenção de amar e valorizar as pessoas em sua caminhada com Cristo. Ser relacional e intencional são coisas diferentes, pois o cristão relacional investe em construir relações, enquanto o intencional constrói relações para glória de Deus, visando a edificação do outro. Fica claro que a iniciativa de aproximar-se não deve ser daquele que está chegando, mas daquele que já está dentro.

Concordo com os Autores acerca da necessidade dos pequenos grupos, pois são eficazes mecanismos nas construções de relacionamentos, o que acabou sendo posto de lado em território brasileiro pelo trauma das experiências com G12, M12 e afins.

Também apontam a necessidade da igreja dar ênfase a oração, visto ser o que constrói uma relação estreita entre Deus e o homem. Assim, igrejas transformacionais são aquelas que investem seu tempo e incentivam seus membros a orarem. Não o fazem de forma meramente litúrgica, mas de forma espontânea, por diversas vezes, em busca de compreensão e afeição por parte do Senhor. Líderes de uma igreja transformacional precisam ter uma vida de oração, a fim de dar o exemplo aos demais. Os autores são claros: “Onde as pessoas oram, Deus opera. Onde Deus opera, a transformação acontece.”

A adoração também é apontada como uma marca de uma igreja transformacional. Uma igreja disposta a transformar o Brasil deve render-se e adorar ao Senhor diante da revelação de Cristo e poder do Espírito Santo. A adoração conecta as pessoas com Cristo, equipando-as para o ministério. Não se confunde com o estilo do louvor ou meramente a liturgia, mas engloba a resposta da congregação à obra de Cristo na cruz. Aliás, o estilo e planejamento do culto não devem levar em consideração as preferências pessoais do pastor, e sim a comunidade, de forma contextualizada. Os autores são exaustivos na tentativa de diferenciar adoração de louvor, dedicando muito tempo a abordagem sobre o tema. Ao final do capítulo adoração é trabalhada exclusivamente na figura do louvor, com diversos conselhos para escolha dos mesmos de forma contextualizada, porém adequada a Palavra de Deus.

Já o conceito de vida comunitária trazido pelos autores de certa forma trabalha pontos já abordados nos relacionamentos intencionais, inclusive no que diz respeito ao incentivo à pequenos grupos, que na verdade acabou sendo o foco do capítulo, pela ênfase na máxima participação de todos os membros.

O último tópico do livro encerra o Ciclo Transformacional. A missão é definida como a razão de existência da igreja e o evangelismo como parte natural da vida. Não se fala de momentos de missão da igreja, mas de missão a todo o momento, por ser parte crucial da igreja. A missão deve estar comprometida em levar a igreja para a cidade, mesmo que a cidade não procure a igreja. Neste sentido, podemos entender que a igreja não apenas prega o Reino, mas insere o Reino invisível na realidade visível das pessoas, através da justiça social e envolvimento com a sua comunidade e contexto.

A igreja deve definir um objetivo, preparar-se para o evangelismo, e obviamente para a oposição. O líder deve liderar a igreja, ao mesmo tempo que lidera as pessoas mediante discipulado e acompanhamento pessoal.

Podemos concluir que o livro traz uma boa proposta, com informações baseadas em uma pesquisa de mais de cinco anos. Entretanto, cabe a ressalva ao método utilizado pelos autores, uma vez que, ainda que a pesquisa seja plural no tocante as igrejas, as respostas foram dadas pelos próprios pastores e membros das igrejas entrevistas.

Há de se considerar a possibilidade de que parte destes irmãos possam ter superestimado a sua igreja. É comum que tenhamos dificuldades de nos posicionarmos de maneira contrária ou negativa às nossas próprias comunidades de fé. Não há como os autores apurarem a veracidade das informações coletadas, tornando a pesquisa, de certa forma, uma questão de confiança. Desta forma, torna-se arriscado atribuir às igrejas entrevistadas o título de transformacionais, uma vez que a despeito das respostas dadas pelos membros, poder-se-ia descobrir sérios problemas na igreja que chamariam a atenção e gerariam escândalos.

Por fim, a obra funciona como um manual prático para as igrejas, com diversos conselhos, exemplos e casos concretos. O livro é pragmático, no melhor dos sentidos, sem abrir mão da fundamentação bíblica, de forma que concilia teoria e prática de uma forma extremamente natural. A igreja transformacional precisa estar atenta à todos os aspectos do Ciclo Transformacional, sempre buscando se lapidar naqueles em que estiver em falta.

Memento Mori



Há algumas semanas eu abri o contato do Whatsapp do nosso irmão Nicolas Viana e dei de cara com o sua frase de status que dizia "Memento mori". Fiquei curioso, e após alguns minutos de pesquisa descobri o significado:

"Lembre-se, você irá morrer!"

O mais interessante foi descobrir que essa frase era proferida durante o Triunfo Romano de um herói de guerra! Na última vez que preguei na minha igreja, ponderei sobre três aspectos da Paixão de Cristo que ressaltam sua majestade: a coroa, a espada e o triunfo.

Neste último ponto, deixei claro que o sofrimento de Cristo no caminho até a Gólgota poderia ser comparado à cerimônia do Triunfo Romano. Cristo naquele momento era o herói de guerra que venceu a morte, e desfilou por Jerusalém vestido do escarlate do seu sangue, levando na cabeça uma coroa de espinhos.

Quando eu preparei o sermão não tinha conhecimento de um outro aspecto do Triunfo Romano! O herói de guerra desfilava acompanhado por alguém que, em meio às comemorações e homenagens, sussurrava constantemente ao seu ouvido "Memento mori"... Lembre-se, você vai morrer!

Assim, o general não perderia de vista que a sua glória era passageira. Talvez durasse algumas gerações, mas ainda assim, a morte teria posto fim ao grande herói! Cedo ou tarde seu brilhantismo ou a força dos seus músculos não existiriam! Aquele homem, como todos os demais, iria morrer!

Mas com o Senhor Jesus foi diferente! A morte não era o fim da sua glória e poder. Diferente do herói de guerra humano, com Cristo não se ressalta "Você irá morrer!", mas sim "Ressuscitou! Ele vive!"

Enquanto o homem é lembrado que sua vida e conquistas são passageiras, Cristo verá o fruto do Seu penoso trabalho e se alegrará eternamente! Ele reina triunfante pela eternidade! E por esta razão somos lembrados diariamente que Ele voltará para buscar aos seus!

Memento quod et revertetur

Resenha do livro: História das Doutrinas Cristãs - Louis Berkhof

Um cara com um nome difícil, e uma pegada teológica bem pesada: Louis Berkhof! Não sei se é apenas o meu ponto de vista, mas sempre considerei que esse autor escreve pressupondo que você tem uma série de conhecimentos prévios. Não me recordo o nome do livro, mas tive contato com uma obra dele na qual ele abordava formação do cânon pressupondo que você conhecia uma série de temas sobre cultura judaica! Mas enfim...


A obra aborda a História das Doutrinas do Cristianismo, que, embora o autor aponte a diferença dos termos “doutrina” e “dogma”, acaba por usar o primeiro como sinônimo do segundo. Assim, nas palavras do autor, a doutrina é a expressão direta de uma verdade religiosa; ao passo que o dogma é uma realidade religiosa baseada sobre autoridade, oficialmente formulada por qualquer assembléia eclesiástica. Quando diz que um dogma “pode ser definido como uma doutrina, derivada da Bíblia, oficialmente definida pela Igreja e declarada firmada sobre a autoridade divina” o autor está unindo os elementos definidores da doutrina, do dogma, bem como adicionando a ação de Deus na condução da formulação.
Cabe ressaltar que nos primeiros capítulos a obra adota um tom mais doutrinário, no qual o autor estabelece os fundamentos para compreensão do tema, mediante a definição de termos e sua construção história. Após, o livro aborda as doutrinas cristãs em sete blocos temáticos, onde cada capítulo aborda o tema em determinado período histórico. Também precisa ser destacado que, ainda que o autor aborde as controvérsias com base na sua cronologia, o método adotado na literatura leva em consideração os temas até a exaustão de sua discussão. Podemos citar como exemplos as discussões cristológicas, que são abordadas nos Concílios do Período da Patrística e retornam nos séculos XVIII e XIX com as definições do Jesus Histórico.
O leitor precisa considerar tais informações, pois, se por um lado exaure o debate sem a interrupção para discorrer outros temas; por outro lado o autor não se preocupa em definir quais controvérsias foram concomitantes. Cite-se como exemplo que as controvérsias da doutrina do pecado, da graça e da expiação ocorreram no Oriente durante ao mesmo período, assim como o fato das mesmas serem concomitantes aos debates cristológicos no Oriente.
O livro, semelhante à obra do autor Roger Olson, demonstra que toda a construção dogmática da igreja é sustentada pela vida dos seus construtores, mantendo certa continuidade lógica e histórica. Não se tratavam de meras especulações ou amor ao debate, mas da própria construção da base da igreja, que durante certo período não teve o cânon completo. Os debates cristológicos foram conseqüência dos debates trinitários que os antecedeu, que por sua vez acompanham todos os debates filosóficos, perversões judaicas e acusações de politeísmo do seu período histórico.
Todo o desenvolvimento doutrinário iniciou com as perversões do evangelho, tanto da parte do judaísmo quanto dos gentios, devendo-se destacar o gnosticismo como o maior inimigo da igreja primitiva. Assim, coube aos Pais da Igreja defender o ensino dos apóstolos quanto a pessoa de Cristo, a autoridade dos escritos apostólicos e a salvação. Destaque-se as controvérsias acerca da caracterização de Jesus como o Logos, conceito vinculado à filosofia grega; a natureza da obra salvífica, que os gnósticos vinculavam à recepção de um conhecimento especial e superior ao dos apóstolos; e a relação entre o Pai e o Filho debatida pelo monarquismo.
Essas controvérsias foram o pano de fundo para que a controvérsia trinitariana eclodisse com o conflito de Ário e Atanásio, resolvido em parte pelo Concílio de Niceia. Entretanto, como a definição nicena não satisfez nem os seguidores de Ário e nem os de Atanásio, razão pela qual os o Concílio da Constantinopla foi instaurado para reformular o credo, inclusive considerando os debates dos Pais Capadócios acerca do Espírito Santo. As discussões trinitárias receberam novo ânimo com o retorno do sabelianismo e subordinacionismo no período da Reforma e após.
Quanto à doutrina de Cristo, as discussões tiveram início com as controvérsias oriundas dos debates trinitarianos, com grupos ebionitas, alogi e monarquianos dinâmicos que negavam a deidade de Jesus; ao mesmo tempo que docéticos, gnósticos e modalistas rejeitavam a humanidade. É certo que o Concílio de Calcedônia não foi suficiente para por fim a questão, cujo debate retornou com os monofisistas e outros grupos. Esse debate não ocupou a base das discussões durante a Idade Média. Destaca-se a ação de Tomás de Aquino, que aderia à doutrina da união hipostática. Durante o período da Reforma a cristologia luterana reflete na forma como se entende a Eucaristia. Para Lutero, as duas naturezas se permeiam, e a humanidade de Cristo participa dos atributos da divindade.
A abordagem da história da cristologia realizada por Berkhof é sem dúvidas a mais elaborada. Visto que aborda desde o período dos Pais Apostólicos até as discussões no século XIX acerca da abordagem de Cristo, que na concepção dos teólogos modernos deveria partir do Jesus Histórico, e não dos atributos divinos e revelação especial acerca de Cristo. Ademais, Jesus é despido de parte da sua obra, sendo abordado como um mártir ou exemplo de autruísmo.
Em seguida o autor aborda a doutrina do pecado e da graça, com destaque à Agostinho e Pelágio, cujo embate permeou toda a discussão subseqüente, que hoje é melhor conhecida nas posições de Armínio e João Calvino acerca da depravação, livre-arbítrio e soberania de Deus. Também destaca o arminianismo wesleyano (que diverge do clássico em alguns pontos como a graça para ter fé e arrependimento) e as posições pós-reformas, que contemplam o pecado até mesmo como um mal metafísico, e não ético; ou, como no caso de Schleiermacher, considerá-lo como produto da natureza sensual do homem.
A doutrina da expiação é abordada inicialmente com a teologia dos Pais gregos até o período pós-reforma. Destaque-se a Teoria da Recapitulação apresentada por Irineu, pela qual Cristo teria recapitulado em si todas as etapas e experiências da vida humana, revertendo a obra de Adão e transmitindo aos homens a sua imortalidade. Já Anselmo fez a primeira tentativa de expor a doutrina da expiação de forma harmoniosa e coerente, criticando as teorias da recapitulação e do resgate, justificando a obra redentora como necessária em razão da honra de Deus, a qual o homem deveria ter se sujeitado. Visões sincretistas que fundamentam a expiação também são abordadas, como a tese de Pedro Lombardo. Tomás de Aquino abordava que a expiação não era totalmente necessária, visto que Deus poderia ter permitido que a humanidade perecesse; bem como Deus poder redimir toda a humanidade sem exigir qualquer satisfação adequada. Para os Reformadores, a expiação mediante os sofrimentos e morte de Jesus estão em plena harmonia com a sabedoria divina. No período após a Reforma, diversas teorias foram formuladas, tais quais a de Schleiermacher, Ritschl e Bushnell.
Consequentemente, com a doutrina da expiação desenvolve-se a doutrina da aplicação da graça divina. Se num primeiro momento a igreja entendeu a soteriologia através dos conceitos de arrependimento e fé, no período da reforma os luteranos passam a abordá-la em torno da fé e da justificação, tratando o arrependimento e regeneração como passos preparatórios para conduzir o pecador a Cristo. Quanto aos arminianos, ensinaram que Deus outorgou ao homem uma graça universal e suficiente para capacitar os pecadores a crer no evangelho e ser obediente.
A obra encerra com a doutrina das últimas coisas, que segundo o autor, não teve grandes modificações no curso da história, e nem foi o centro da atenção, de forma que os Pais Apostólicos sequer refletiram sobre o estado intermediário, pois tinham a idéia de glória ou punição imediata após a morte. Essa visão evoluiu com os Pais posteriores, que ensinavam que os mortos descem ao Hades até o momento do juízo final, evoluindo para formulação da figura do purgatório, a qual encontrou oposição perto do fim da Idade Média, através de John Huss e John Wycliffe.
Quanto à volta de Cristo, a visão do retorno milenar imediato foi sendo ultrapassada gradualmente no curso da história. A doutrina do milênio foi rejeitada pelas igrejas protestantes, ressurgindo com nova roupagem no século XVII na forma de um reino mais espiritual do que material. Entretanto, por mais que tenha ganhado certa força, a doutrina do milênio ainda não foi incorporada em qualquer confissão de fé, de forma que, nas definições do termo, não pode ser considerada um dogma da Igreja, mas apenas uma doutrina de grande repercussão.
Por fim, acho que não poderia deixar de elogiar as perguntas que ele faz ao final de cada capítulo! A verdade é que o autor te incentiva a reforçar tudo que aprendeu, e de certa forma, é um bom mecanismo para usar o livro para preparar uma aula pra EBD, pois coloca o teor do capítulo nas suas próprias palavras. Assim, é possível montar o seu próprio resumo.

terça-feira, 9 de abril de 2019

O que dizer sobre: Protestantismo Tupiniquim - Gedeon Freire de Alencar

Alencar, Gedeon Freire de, 1961 – Protestantismo Tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição evangélica à cultura brasileira / Gedeon Freire de Alencar. 2ªed. – São Paulo: Editora Recriar, 2018.



O livro de Gedeon Freire de Alencar apresenta em seu título a questão do engajamento cultural do cristão evangélico dentro da sociedade brasileira, levantando diversos questionamentos cujo objetivo principal é demonstrar que não há qualquer contribuição protestante significativa para a cultura do país. O autor deixa claro que não possui qualquer intenção de responder as razões deste fenômeno, dando margem ao leitor para fazê-lo.
Gedeon inicia a introdução do seu trabalho apresentando os três componentes originais da cultura brasileira: o indígena, o afro e o católico. Tais matrizes possuem marcas facilmente definíveis na nossa cultura, enquanto o protestantismo não possui qualquer marca distintiva. Assim sendo, o autor questiona o fato dos cultos afros serem quantitativamente inferiores aos protestantes, e ainda assim serem culturalmente influentes.
Ocorre que o estudo do autor se torna impreciso em certas ponderações, na medida que considera apenas as três maiores denominações protestantes (assembleianos, batistas e presbiterianos) em seu trabalho. Se por um lado o autor reconhece a grande influência dos cultos afros, numericamente inferiores, desconsidera a influência de grupos protestantes menores.
Ainda que tal postura seja um delimitador do objeto de pesquisa, ignora grandes contribuições protestantes, simplesmente por estarem vinculadas a denominações menores. Por exemplo, o autor aponta a celebração de cultos em português e tradução de hinários apenas nas décadas de 30 e 40. Entretanto, em 11 de julho de 1858 a Igreja Evangélica Fluminense era fundada com 14 membros, realizando o batismo de Pedro Nolasco de Andrade, culto este realizado em português. Em 17 de novembro de 1861 os Salmos e Hinos, com 50 letras de cânticos (18 salmos e 32 hinos) foi publicado. Uma imprensa protestante, denominada Cristão foi fundada em 1892. O autor marca 1930 como o início do “cristianismo brasileiro”, mas nesse período os congregacionais já haviam até mesmo instalado um seminário teológico (1914).
Desta forma, quando o autor afirma que o protestantismo brasileiro é brasileiro, ele o faz quase que exclusivamente referindo-se ao pentecostalismo, acusando as outras denominações de serem culturalmente moldadas por influências estrangeiras, e ignorando a contribuição de outras numericamente inferiores.
Ao abordar o sincretismo denominacional, que na opinião do autor do presente artigo é um fenômeno a se destacar nos últimos tempos, Gedeon alega que isto pode ser bom ou ruim, mas segue criticando o fenômeno, alegando a necessidade de distinções. Se por um lado é possível concordar que o sincretismo tem por consequência uma geração que desconhece as suas bases teológicas, é necessário discordar acerca da necessidade de distinção. É possível que esta aproximação de denominações seja um dos alicerces para que a identidade cultural protestante seja construída. As igrejas seguem discordando de questões secundárias, com a diferença que aprenderam a dialogar. Isto deve ser incentivado, e a saída no tocante a ignorância acerca das bases teológicas pode ser resolvida pelo ensino da história denominacional.
O autor trabalha quatro períodos do Protestantismo Brasileiro: o protestantismo de emigração, o protestantismo de missão, o protestantismo pentecostal e o protestantismo contemporâneo. O primeiro objetivou apenas o estabelecimento de uma classe média cujo objetivo era o branqueamento da nação brasileira, permitindo-se o culto protestante sem a construção de templos; o segundo objetivou influenciar a elite do país, sendo marcado pela ênfase na educação como instrumento de conversões; o terceiro atinge ex-escravos, nordestinos e seringueiros desempregados, os quais retornam para suas cidades levando a mensagem do evangelho, e tem por característica sua ênfase escatológica e desconexão com o mundo; o quarto é marcado pelo movimento gospel e assimilação cultural.
O autor analisa a relação da cultura brasileira com o protestantismo sob dois possíveis paradigmas: ou o protestantismo cresceu e hoje se encontra presente em todos os cenários, ou tornou-se tão vulgarizado que sua presença não faz nenhuma diferença. O protestantismo assumiu uma postura de assimilação cultural, de forma que hoje há Marchas para Jesus semelhantes à blocos de carnavalIsto levanta a grande questão se de fato a igreja está influenciando a cultura, ou a cultura influencia a igreja pós-moderna.
Ressalta que o protestantismo é marcado pela cultura da negação, uma vez que somos conhecidos pelo que somos proibidos, e não necessariamente pela fé em Cristo. Somos conhecidos por nossa aversão ao mundo e postura abstêmia. Negamos quase todas as expressões de arte por temor à sensualidade e repúdio as expressões culturais, conservando apenas o apreço pela música e literatura, uma herança puritana.
O autor segue analisando a adequação cultural do neopentecostalismo, sendo este a expressão mais brasileira do protestantismo, exatamente por ser marcado por um extremo sincretismo que dialoga com todas as classes sociais, expressões culturais e mesmo religiosas, como o catolicismo, espiritismo e a umbanda. Assim sendo, datas festivas, ritmos e instrumentos musicais ou mesmo práticas litúrgicas são absorvidas, o que explica seu fácil crescimento numérico pela facilidade de adesão, uma vez que não há uma ruptura com a cultura anterior. O neopentecostalismo leva a uma grande confusão, pois em grande parte absorveu os mesmos elementos dos cultos afros. Se antes poder-se-ia acusar o católico por esta similaridade (na figura de santos/orixás e penitências/axé), hoje o maior culpado é o neopentecostal.
O autor aborda um dos aspectos mais sincréticos entre o neopentecostalismo e o candomblé: a instrumentalização do divino. O neopentecostalismo é a progressão da individualidade, tornando-se uma religião de resultados e escatologia terrena marcada pela busca das bênçãos imediatas, atrelando espiritualidade com saúde e prosperidade material. O neopentecostalismo redefine a ênfase escatológica, tornando o fim dos tempos questão acessória diante do gozo imediato.
No tocante a autoridade espiritual, a individualidade subjuga Deus, de forma que tudo gira em torno com as escolhas pessoais e satisfação dos desejos, assemelhando-se ao candomblé e suas divindades desprovidas de uma ética definida. As experiências pessoais são super-valorizadas e a confissão positiva conduz até mesmo a ação de Deus.
O capítulo 8 apresenta Cristo como a resposta para as perguntas que sequer podemos elencar. Ocorre que a sociedade possui diversas questões, sendo certo que os cristãos por anos negligenciaram o debate público como possibilidade de evangelização. Conforme pode-se inferir do trabalho de pesquisa realizado, a ênfase escatológica dos protestantes brasileiros os impediu de debater questões como ecologia, mais especificamente, ecoteologia. 
O protestante brasileiro também é marcado por sua "linguagem de gueto". O uso de termos e chavões que pressupõem um determinado conhecimento bíblico ou inerente à cultura protestante torna o diálogo impraticável. Lutero no século XVI traduziu a Palavra para que o povo em geral pudesse ler a Palavra em seu idioma; os protestantes brasileiros insistem em manter  o uso de uma linguagem própria, mesmo onde o debate deveria ser público.
Assim sendo, se analisarmos a questão principal do livro, qual seja, a possibilidade do protestante brasileiro ter sua contribuição na cultura brasileira, podemos dizer que esta não ocorreu, visto que o nosso uso da língua não traz qualquer proveito para cultura brasileira, exceto a criação de um esteriótipo para programas de humor na televisão.
Se por um lado não respondemos as perguntas que a sociedade levanta, por outro, somos extremamente coniventes em nossa teologia. O autor denuncia a tendência protestante brasileira de tentar adequar o evangelho ao público, buscando aprovação universal. Pedro na casa de Cornélio e Paulo na praça de Atenas levavam a mesma mensagem, para públicos diferentes, que a receberam com reações diferentes. Assim, demonstra-se que a aprovação universal é fruto de um evangelho eufêmico, que não confronta. O protestante brasileiro não dialoga com a sociedade, e quando o faz, é intoxicado pelo temor do proselitismo, pela tentativa de ser laico em sua exposição; confundindo diálogo com conivência.
A ética protestante não dialoga com a arte, pois a arte é aética. O protestante brasileiro tem herança puritana, enquanto a arte não tem pudor. Nosso dualismo enxerga bem e mal, sagrado e profano, sem aceitar o meio termo. Conforme podemos depreender da leitura, nudez é sempre sensualidade, e a estética gera desconfiança. 
O autor apresenta o Protestantismo como a religião do livro, mas mesmo nesta forma de arte somos evidentemente subdesenvolvidos. Um escritor cristão protestante no geral recusa a literatura secular, bem como ser literário, visto que a literatura pede descrição, detalhes, ambientação e construção de história e personagens complexos. É a necessidade de também descrever pecados. Assim sendo, ser cristão é negar o velho homem, enquanto ser escritor é confrontar-se com a realidade que ele ainda está presente, e precisa ser exposto.  Tudo que escrevemos vem de dentro, seja lembrança, realidade ou expectativa. 
Desta forma, produzir uma obra literária é ser o médico e o monstro; ora ser Cecile e em seguida descobrir-se Valmont; é ser nu com as palavras, descrever o que se nega, confessar ser pecador.  Basta assistir dois ou três filmes gospel e encontrará um cristão esteriotipado, quase transcendente por tamanha santidade. Não há um Agostinho realizando confissões. E como a santidade não é real para os cegos, surdos e sem entendimento, a nossa literatura e cinema gospel não tem muito a oferecer para a sociedade além de uma mensagem motivacional.
Gedeon apresenta a falta de estética protestante, bem como sua dificuldade de dialogar com a cultura. Aborda a tendência protestante brasileira de criar uma cultura de adesão à igreja mediante a observância das regras impostas pela mesma, ao mesmo tempo que damos nova roupagem à condutas que repreendemos. Se por um lado negamos o Carnaval, por outro adotamos os acampamentos, feitos em mesmo período, e conforme comparação trazida pelo autor, com os mesmos aspectos.
O autor conclui informando que seu objetivo era apenas levantar questões, e não trazer respostas. Entretanto, é óbvio que todas as perguntas são retóricas, e pela construção narrativa conduzem para resposta que o autor busca que alcancemos. O cristão protestante de fato não contribuiu para cultura brasileira, e sua identidade cultural limita-se ao esteriótipo de linguagem do gueto. 
O leve traço cultural protestante se perdeu com o tempo e conivência social. Éramos denominados "bíblia" pela característica de andarmos com a Palavra embaixo dos braços, e a capacidade de parafrasear o texto bíblico. Embora considerados caricatos, estes cristãos foram o melhor da identidade protestante. A busca dos protestantes por consolidar a sua identidade é recente, através da fixação de feriados e datas comemorativas com reconhecimento público, ainda que não alcance âmbito nacional[1].
Outrossim, não se deve ignorar o fato de que a dissonância cultural não é necessariamente um traço negativo, pois a cultura secular rejeita Cristo. Diferente das religiões afro e do catolicismo, o protestantismo não é conivente, é autoritativo e exclusivista no tocante a salvação. Traços desprezados numa sociedade pós-moderna. Assim, conclui-se que o protestante brasileiro está longe de influenciar a cultura do país.



[1] Vide em https://noticias.gospelmais.com.br/dia-da-biblia-dia-da-oracao-dia-do-pastor-confira-o-calendario-evangelico.html

O mito grego da Hospitalidade: Comparações entre a ética grega e a ética judaico-cristã


O mito:

O Mito da Hospitalidade traz a história de Báucis e Filêmon, casal que residia na Frígia. Segundo o mito, Zeus decidiu testar a hospitalidade dos homens, e convida o seu filho Hermes para acompanhá-lo como viajante no mundo, disfarçados de pobres estrangeiros. Logo os deuses experimentam fadiga, frio e fome, visto que ninguém os oferecia abrigo e alimento.

Após milhares de tentativas, ao chegar em um local remoto na Frígia, batem a porta de uma cabana extremamente humilde, sendo recebidos por seus donos, Báucis e Filêmon, um casal de idosos extremamente humildes. Estes, ao recebê-los, preparam seu único ganso e oferecem a sua única garrafa de vinho, sem se envergonhar de sua pobreza. Ao perceber que a garrafa de vinho jamais ficava vazia, o casal percebe que seus convidados não eram simples estrangeiros e pedem perdão por não ter um banquete melhor para oferecer.

Zeus e Hermes revelam-se deuses, e acalmam o casal agradecendo por sua hospitalidade. Zeus, que havia se irado com os homens, ordena que os idosos os sigam ao alto de um monte, pois destruiria toda a cidade, o que de fato realiza com a inundação do vale onde residiam. O casal chora por todos os mortos, bem como por sua humilde residência ter sido destruída na inundação.

Entretanto, ao recuar das águas, sua residência havia sido transformada em um templo de mármore com teto de ouro. Ato contínuo, os deuses concedem dois desejos para o casal. O casal pediu autorização para servirem aos deuses como sacerdotes no novo templo, bem como, por terem passado toda a vida juntos, que pudessem morrer juntos.
Zeus concede longevidade para o casal servir e viver juntos no templo, e, chegada a hora, Hermes concede o desejo de morrerem juntos, transformando-os em duas árvores cujos galhos e troncos se entrelaçam no último abraço dado pelo casal.

O relato bíblico

O livro de Gênesis relata no capítulo 19 a chegada de dois anjos à cidade de Sodoma, a qual havia sido condenada pelo Senhor em razão do seu alto grau de impiedade. Os homens são recebidos por Ló e sua família, que oferecem abrigo e alimento.

No meio da noite, todos os homens da cidade reúnem-se em volta da casa de Ló, ordenando que o mesmo entregue os dois estrangeiros. Estes homens pretendiam estuprar os anjos, razão pela qual Ló oferece suas duas filhas virgens, a fim de proteger seus hóspedes. Assim sendo, Ló é atacado pelos homens da cidade, e resgatado pelos anjos, que causam cegueira em todos, e ordena que Ló e sua família abandonem a cidade. Após se dirigirem para Zoar, Sodoma e as cidades vizinhas são destruídas por uma chuva de fogo e enxofre.

Comparações

O mito da hospitalidade e o relato de Gênesis 19 partilham alguns elementos comparativos: o divino despindo-se de sua glória, a preocupação com o cuidado do pobre e do estrangeiro, a recompensa pela fidelidade e obediência e a destruição como consequência da desobediência.

No que diz respeito ao divino despir-se de sua glória, podemos comparar a ordem de Zeus à Hermes, que deveria deixar suas asas no Monte Olimpo, a fim de não parecer com um deus, com Cristo despindo-se de sua majestade e glória, assumindo a imagem do servo sofredor (Filipenses 2:5-8).  O que difere o relato bíblico do mito é que o objetivo de Zeus e Hermes era simplesmente testar a bondade e obediência dos homens, enquanto Cristo assumiu a forma de servo para ser o substituto perfeito dos homens na imputação do pecado, bem como para deixar-nos o exemplo de serviço como forma de amor.

A ética grega traz a hospitalidade como uma lei, no que se denomina Xênios, cujo objetivo é garantir o cuidado do estrangeiro e do pobre, bem como assegurar a paz. Assim sendo, um cidadão grego deveria oferecer comida e hospedagem ao estrangeiro que o procurasse. 

Da mesma forma, a Palavra de Deus revela seu cuidado com os hipossuficientes sociais, quais sejam, o pobre, o órfão, o estrangeiro e a viúva, no que hoje é denominado de ética judaico-cristã. Toda a bíblia traz ordens para que se cuide do estrangeiro, seja dando abrigo ou permitindo que este recolhesse as espigas à beira da estrada. A ordem de Deus acerca da hospitalidade era considerada com tanta seriedade que Ló oferece suas duas filhas aos homens da cidade, pois ao dar abrigo para alguém, o anfitrião era responsável por manter seus hóspedes seguros.

 No Novo Testamento a hospitalidade é apresentada como uma das prerrogativas dos presbíteros, responsáveis por cuidar da igreja (1 Timóteo 3), assim como Báucis e Filêmon, por sua hospitalidade tornaram-se sacerdote do templo dos deuses.

Tanto o mito quanto o relato bíblico trazem a figura da punição pela desobediência, bem como a recompensa pela fidelidade. Em ambos os casos, embora a hospitalidade seja um dever oriundo do Xênios ou da ética judaico-cristã, ambas são apresentadas como virtudes, e sua ocorrência não se dá por temor da punição, mas por filantropia e amor. A recompensa material, em ambos os casos, é graciosa, visto não ser esperada.

BIBLIOGRAFIA

O mito da hospitalidade - Baucis e Filemon, disponível em: https://mitologiagrega.net.br/o-mito-da-hospitalidade-baucis-e-filemon/


Zeus - O Protetor dos Deveres da Hospitalidade, disponível em: http://pitonisadefebo.blogspot.com/2009/08/zeus-o-protetor-dos-deveres-da.html


segunda-feira, 1 de abril de 2019

Crítica Literária: Persuasão - Jane Austen

Anne Elliot é a definição literária pra quando alguém pergunta: Ela é bonita? - E respondem: Simpática!

Eu nunca tinha ouvido falar de Jane Austen até o dia que visitei minha namorada, e ela estava assistindo Orgulho e Preconceito, filme que eu gostei bastante. Algumas semanas depois eu folheava o catálogo da Amazon, e encontrei outra obra da autora, chamada Persuasão, e decidi baixar para o meu Kindle. 

Em poucas palavras, o livro traz a história de Anne Elliot,  numa narrativa quase heróica. É a primeira vez que vejo um romance com elementos de monomito tão definidos! A personagem principal é obrigada a deixar o lar no qual cresceu em função de problemas financeiros gerados por seu pai; passa por uma saga de crescimento e ascensão moral e estética, seguida pelo retorno ao lar com desfecho da história!

Anne Elliot é uma mulher que recusou a proposta de casamento do homem que amava por proibição de seu pai, Sr. Walter, e por recomendação de sua melhor amiga e figura materna, Lady Russell. O primeiro julgava ser o pretendente homem de poucas posses, a última considerava o casamento imprudente quase que pela mesma razão, embora alegue uma questão acerca do caráter do rapaz. Após o rompimento Frederick Wentworth segue carreira militar, e a trama gira em torno do seu retorno e reencontro com a amada.

Em primeiro lugar, gostaria de falar do ponto principal da obra: a obstinação do amor. Se num primeiro lugar a minha tendência era dizer que Persuasão é Orgulho e Preconceito com outro desdobramento, mudei de ideia ao apurar que o centro do debate nas duas histórias é sutilmente diferente. Anne e Frederick não lutam contra seu orgulho, e sim contra a mágoa. Eles não combatem um contra o outro, e sim contra si mesmos. O casal apresenta um amor obstinado, que resistiu à oito anos de distância, resistiu a todas as propostas, e principalmente ao passado.

Anne sofre por ver o homem que ama e do qual desistiu retornar, constatando que ainda o amava, e que em contrapartida não demonstrava sentir nada além de respeito. Sofre por acreditar que a mágoa jamais permitiria que fossem amigos, e com a possibilidade de vê-lo desposado. Sofre por saber que ele sempre estaria ali tão próximo, mas ao mesmo tempo tão inalcançável quando se ainda estivesse em alto mar. O amor vence o tempo e as próprias feridas do amor inicialmente não correspondido.

Esta questão fica mais evidente no comportamento de Frederick! Ele repele Anne com todas as forças, mas demonstra seu amor por atitudes que ele mesmo parece não dar conta! É um conflito interno entre o amor e o desejo de não amar. Quantos de nós recusamos nossos sentimentos por termos sido magoados!

Há uma tentativa da história de apresentar um desenvolvimento gradual da personagem, inicialmente apática e pouco estimada por seus familiares, mas que conquista a estima de todos os personagens secundários no curso da história. A partir de um determinado momento, a beleza da personagem começa a ser explorada com determinada frequência, talvez para demonstrar que se tornava mais bela conforme amadurecia, ou para fazer embate com Frederick, que é apresentado a todo o momento como alvo de atenção das mulheres, causando ciúmes e insegurança na protagonista. Assim, se no primeiro momento Anne sente-se mal pela expectativa de ver seu amado casado, na segunda parte do livro é Frederick que se vê cercado de concorrentes dignos, como Benwick!

A tese acerca da maturidade ganha bastante força (embora a segunda seja um recurso narrativo mais convincente) na medida que outra discussão no livro girar em torno da estética. O pai de Anne despreza-a por ser pouco bonita. Há uma crítica bem visível neste caso. Walter e sua filha mais velha são apresentados como pessoas extremamente fúteis, e todas as suas aparições giram em torno da busca por visibilidade social e exaltação do ego e da beleza. Walter chega a desejar um inquilino digno da residência que ele morou, mas que não fosse socialmente superior a ele, para que aos olhos dos outros ele tenha sido o homem mais valoroso a ter residido em Kenlinch Hall. (Cê acredita?!) Em contrapartida, Anne Elliot se torna mais bonita na medida em que convive mais com as pessoas, pois as pessoas a sua volta estimam sua personalidade!

A própria Anne deixa pistas da visão da autora acerca do conflito entre estética e personalidade. O pai, sempre a julgar os outros pela aparência, começa a se apaixonar pela melhor amiga da filha, que ele mesmo considerava feia! A convivência com esta e sua personalidade passaram a "fotoshopar" todos os "defeitos estéticos" que ele apontava. O amor é realmente cego, ou no mínimo tem um bom designer gráfico, já que ele começa a ver o objeto do seu desejo sem sardas no rosto!

A crítica da aparência também aparece personificada no primo Walter, que para não causar confusão vou chamar de Waltinho. Waltinho é apresentado como um homem belo e irrepreensível, até que uma amiga em comum deste com Anne revela a verdade por detrás da aparência! Se quiser descobrir, leia o livro! Este contraste culmina com o arrependimento de Lady Russell por há oito anos julgar tão mal Frederick, na mesma medida que julgou Waltinho bem. As aparências enganam!

Uma questão que não chega a ser incômoda, mais que chamou a minha atenção é a velocidade como as coisas ocorrem. O casal se repele por toda a obra, que vai ter seu desfecho praticamente no último capítulo! Jane Austen constrói uma riqueza de personagens secundários, uma trama complexa onde há sempre um terceiro interessado que impede o casal de ficar junto, pra no final solucionar tudo de maneira extremamente simples e corrida! Uma única carta!


Tudo bem, quem leu o livro vai dizer que a autora deixou muitas "pistas" do amor recíproco no curso do livro, mas mesmo assim! FOI UMA CARTA! NO PENÚLTIMO CAPÍTULO! Não houve sequer uma dificuldade imposta pela família, e com isso nenhuma evolução, pois a permissão se justifica pelo nível social de Frederick. Na melhor das hipóteses, entendo que Anne adquiriu tanta sagacidade que abusou até da falta de moral do pai.

Recomendo muito a leitura do livro! Fazia coisa de mais de um ano que eu não lia um romance, e este me agradou bastante! Aprendam com Anne e Frederick: Se há amor, esquece a ferida! O amor vai ser sempre o menor dos arrependimentos! Se você é como Anne, não recuse o sentimento; se é como Frederick, assim que possível, vença a mágoa! Não sabe qual dos dois? Pegue o livro e descubra!

Daniel e Eclesiastes 11:9-10

 "Jovem, alegre-se em sua juventude! Aproveite cada momento. Faça tudo que desejar; não perca nada! Lembre-se, porém, que Deus lhe pedi...