Um cara com um nome difícil, e uma pegada teológica bem pesada: Louis Berkhof! Não sei se é apenas o meu ponto de vista, mas sempre considerei que esse autor escreve pressupondo que você tem uma série de conhecimentos prévios. Não me recordo o nome do livro, mas tive contato com uma obra dele na qual ele abordava formação do cânon pressupondo que você conhecia uma série de temas sobre cultura judaica! Mas enfim...
A obra aborda a História das Doutrinas do Cristianismo,
que, embora o autor aponte a diferença dos termos “doutrina” e “dogma”, acaba
por usar o primeiro como sinônimo do segundo. Assim, nas palavras do autor, a
doutrina é a expressão direta de uma verdade religiosa; ao passo que o dogma é
uma realidade religiosa baseada sobre autoridade, oficialmente formulada por
qualquer assembléia eclesiástica. Quando diz que um dogma “pode ser definido
como uma doutrina, derivada da Bíblia, oficialmente definida pela Igreja e
declarada firmada sobre a autoridade divina” o autor está unindo os elementos
definidores da doutrina, do dogma, bem como adicionando a ação de Deus na
condução da formulação.
Cabe ressaltar que nos primeiros capítulos a obra
adota um tom mais doutrinário, no qual o autor estabelece os fundamentos para
compreensão do tema, mediante a definição de termos e sua construção história.
Após, o livro aborda as doutrinas cristãs em sete blocos temáticos, onde cada
capítulo aborda o tema em determinado período histórico. Também precisa ser
destacado que, ainda que o autor aborde as controvérsias com base na sua
cronologia, o método adotado na literatura leva em consideração os temas até a
exaustão de sua discussão. Podemos citar como exemplos as discussões
cristológicas, que são abordadas nos Concílios do Período da Patrística e
retornam nos séculos XVIII e XIX com as definições do Jesus Histórico.
O leitor precisa considerar tais informações, pois, se
por um lado exaure o debate sem a interrupção para discorrer outros temas; por
outro lado o autor não se preocupa em definir quais controvérsias foram
concomitantes. Cite-se como exemplo que as controvérsias da doutrina do pecado,
da graça e da expiação ocorreram no Oriente durante ao mesmo período, assim
como o fato das mesmas serem concomitantes aos debates cristológicos no
Oriente.
O livro, semelhante à obra do autor Roger Olson,
demonstra que toda a construção dogmática da igreja é sustentada pela vida dos
seus construtores, mantendo certa continuidade lógica e histórica. Não se
tratavam de meras especulações ou amor ao debate, mas da própria construção da
base da igreja, que durante certo período não teve o cânon completo. Os debates
cristológicos foram conseqüência dos debates trinitários que os antecedeu, que
por sua vez acompanham todos os debates filosóficos, perversões judaicas e
acusações de politeísmo do seu período histórico.
Todo o desenvolvimento doutrinário iniciou com as
perversões do evangelho, tanto da parte do judaísmo quanto dos gentios,
devendo-se destacar o gnosticismo como o maior inimigo da igreja primitiva.
Assim, coube aos Pais da Igreja defender o ensino dos apóstolos quanto a pessoa
de Cristo, a autoridade dos escritos apostólicos e a salvação. Destaque-se as
controvérsias acerca da caracterização de Jesus como o Logos, conceito vinculado
à filosofia grega; a natureza da obra salvífica, que os gnósticos vinculavam à
recepção de um conhecimento especial e superior ao dos apóstolos; e a relação
entre o Pai e o Filho debatida pelo monarquismo.
Essas controvérsias foram o pano de fundo para que a
controvérsia trinitariana eclodisse com o conflito de Ário e Atanásio,
resolvido em parte pelo Concílio de Niceia. Entretanto, como a definição nicena
não satisfez nem os seguidores de Ário e nem os de Atanásio, razão pela qual os
o Concílio da Constantinopla foi instaurado para reformular o credo, inclusive
considerando os debates dos Pais Capadócios acerca do Espírito Santo. As
discussões trinitárias receberam novo ânimo com o retorno do sabelianismo e
subordinacionismo no período da Reforma e após.
Quanto à doutrina de Cristo, as discussões tiveram
início com as controvérsias oriundas dos debates trinitarianos, com grupos
ebionitas, alogi e monarquianos dinâmicos que negavam a deidade de Jesus; ao
mesmo tempo que docéticos, gnósticos e modalistas rejeitavam a humanidade. É
certo que o Concílio de Calcedônia não foi suficiente para por fim a questão,
cujo debate retornou com os monofisistas e outros grupos. Esse debate não
ocupou a base das discussões durante a Idade Média. Destaca-se a ação de Tomás
de Aquino, que aderia à doutrina da união hipostática. Durante o período da
Reforma a cristologia luterana reflete na forma como se entende a Eucaristia.
Para Lutero, as duas naturezas se permeiam, e a humanidade de Cristo participa
dos atributos da divindade.
A abordagem da história da cristologia realizada por
Berkhof é sem dúvidas a mais elaborada. Visto que aborda desde o período dos
Pais Apostólicos até as discussões no século XIX acerca da abordagem de Cristo,
que na concepção dos teólogos modernos deveria partir do Jesus Histórico, e não
dos atributos divinos e revelação especial acerca de Cristo. Ademais, Jesus é
despido de parte da sua obra, sendo abordado como um mártir ou exemplo de
autruísmo.
Em seguida o autor aborda a doutrina do pecado e da
graça, com destaque à Agostinho e Pelágio, cujo embate permeou toda a discussão
subseqüente, que hoje é melhor conhecida nas posições de Armínio e João Calvino
acerca da depravação, livre-arbítrio e soberania de Deus. Também destaca o
arminianismo wesleyano (que diverge do clássico em alguns pontos como a graça
para ter fé e arrependimento) e as posições pós-reformas, que contemplam o
pecado até mesmo como um mal metafísico, e não ético; ou, como no caso de
Schleiermacher, considerá-lo como produto da natureza sensual do homem.
A doutrina da expiação é abordada inicialmente com a
teologia dos Pais gregos até o período pós-reforma. Destaque-se a Teoria da
Recapitulação apresentada por Irineu, pela qual Cristo teria recapitulado em si
todas as etapas e experiências da vida humana, revertendo a obra de Adão e
transmitindo aos homens a sua imortalidade. Já Anselmo fez a primeira tentativa
de expor a doutrina da expiação de forma harmoniosa e coerente, criticando as
teorias da recapitulação e do resgate, justificando a obra redentora como
necessária em razão da honra de Deus, a qual o homem deveria ter se sujeitado.
Visões sincretistas que fundamentam a expiação também são abordadas, como a
tese de Pedro Lombardo. Tomás de Aquino abordava que a expiação não era
totalmente necessária, visto que Deus poderia ter permitido que a humanidade
perecesse; bem como Deus poder redimir toda a humanidade sem exigir qualquer
satisfação adequada. Para os Reformadores, a expiação mediante os sofrimentos e
morte de Jesus estão em plena harmonia com a sabedoria divina. No período após
a Reforma, diversas teorias foram formuladas, tais quais a de Schleiermacher,
Ritschl e Bushnell.
Consequentemente, com a doutrina da expiação
desenvolve-se a doutrina da aplicação da graça divina. Se num primeiro momento
a igreja entendeu a soteriologia através dos conceitos de arrependimento e fé,
no período da reforma os luteranos passam a abordá-la em torno da fé e da
justificação, tratando o arrependimento e regeneração como passos preparatórios
para conduzir o pecador a Cristo. Quanto aos arminianos, ensinaram que Deus
outorgou ao homem uma graça universal e suficiente para capacitar os pecadores
a crer no evangelho e ser obediente.
A obra encerra com a doutrina das últimas coisas, que
segundo o autor, não teve grandes modificações no curso da história, e nem foi
o centro da atenção, de forma que os Pais Apostólicos sequer refletiram sobre o
estado intermediário, pois tinham a idéia de glória ou punição imediata após a
morte. Essa visão evoluiu com os Pais posteriores, que ensinavam que os mortos
descem ao Hades até o momento do juízo final, evoluindo para formulação da
figura do purgatório, a qual encontrou oposição perto do fim da Idade Média,
através de John Huss e John Wycliffe.
Quanto à volta de Cristo, a visão do retorno milenar
imediato foi sendo ultrapassada gradualmente no curso da história. A doutrina
do milênio foi rejeitada pelas igrejas protestantes, ressurgindo com nova
roupagem no século XVII na forma de um reino mais espiritual do que material.
Entretanto, por mais que tenha ganhado certa força, a doutrina do milênio ainda
não foi incorporada em qualquer confissão de fé, de forma que, nas definições
do termo, não pode ser considerada um dogma da Igreja, mas apenas uma doutrina
de grande repercussão.
Por fim, acho que não poderia deixar de elogiar as perguntas que ele faz ao final de cada capítulo! A verdade é que o autor te incentiva a reforçar tudo que aprendeu, e de certa forma, é um bom mecanismo para usar o livro para preparar uma aula pra EBD, pois coloca o teor do capítulo nas suas próprias palavras. Assim, é possível montar o seu próprio resumo.
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