terça-feira, 9 de abril de 2019

O que dizer sobre: Protestantismo Tupiniquim - Gedeon Freire de Alencar

Alencar, Gedeon Freire de, 1961 – Protestantismo Tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição evangélica à cultura brasileira / Gedeon Freire de Alencar. 2ªed. – São Paulo: Editora Recriar, 2018.



O livro de Gedeon Freire de Alencar apresenta em seu título a questão do engajamento cultural do cristão evangélico dentro da sociedade brasileira, levantando diversos questionamentos cujo objetivo principal é demonstrar que não há qualquer contribuição protestante significativa para a cultura do país. O autor deixa claro que não possui qualquer intenção de responder as razões deste fenômeno, dando margem ao leitor para fazê-lo.
Gedeon inicia a introdução do seu trabalho apresentando os três componentes originais da cultura brasileira: o indígena, o afro e o católico. Tais matrizes possuem marcas facilmente definíveis na nossa cultura, enquanto o protestantismo não possui qualquer marca distintiva. Assim sendo, o autor questiona o fato dos cultos afros serem quantitativamente inferiores aos protestantes, e ainda assim serem culturalmente influentes.
Ocorre que o estudo do autor se torna impreciso em certas ponderações, na medida que considera apenas as três maiores denominações protestantes (assembleianos, batistas e presbiterianos) em seu trabalho. Se por um lado o autor reconhece a grande influência dos cultos afros, numericamente inferiores, desconsidera a influência de grupos protestantes menores.
Ainda que tal postura seja um delimitador do objeto de pesquisa, ignora grandes contribuições protestantes, simplesmente por estarem vinculadas a denominações menores. Por exemplo, o autor aponta a celebração de cultos em português e tradução de hinários apenas nas décadas de 30 e 40. Entretanto, em 11 de julho de 1858 a Igreja Evangélica Fluminense era fundada com 14 membros, realizando o batismo de Pedro Nolasco de Andrade, culto este realizado em português. Em 17 de novembro de 1861 os Salmos e Hinos, com 50 letras de cânticos (18 salmos e 32 hinos) foi publicado. Uma imprensa protestante, denominada Cristão foi fundada em 1892. O autor marca 1930 como o início do “cristianismo brasileiro”, mas nesse período os congregacionais já haviam até mesmo instalado um seminário teológico (1914).
Desta forma, quando o autor afirma que o protestantismo brasileiro é brasileiro, ele o faz quase que exclusivamente referindo-se ao pentecostalismo, acusando as outras denominações de serem culturalmente moldadas por influências estrangeiras, e ignorando a contribuição de outras numericamente inferiores.
Ao abordar o sincretismo denominacional, que na opinião do autor do presente artigo é um fenômeno a se destacar nos últimos tempos, Gedeon alega que isto pode ser bom ou ruim, mas segue criticando o fenômeno, alegando a necessidade de distinções. Se por um lado é possível concordar que o sincretismo tem por consequência uma geração que desconhece as suas bases teológicas, é necessário discordar acerca da necessidade de distinção. É possível que esta aproximação de denominações seja um dos alicerces para que a identidade cultural protestante seja construída. As igrejas seguem discordando de questões secundárias, com a diferença que aprenderam a dialogar. Isto deve ser incentivado, e a saída no tocante a ignorância acerca das bases teológicas pode ser resolvida pelo ensino da história denominacional.
O autor trabalha quatro períodos do Protestantismo Brasileiro: o protestantismo de emigração, o protestantismo de missão, o protestantismo pentecostal e o protestantismo contemporâneo. O primeiro objetivou apenas o estabelecimento de uma classe média cujo objetivo era o branqueamento da nação brasileira, permitindo-se o culto protestante sem a construção de templos; o segundo objetivou influenciar a elite do país, sendo marcado pela ênfase na educação como instrumento de conversões; o terceiro atinge ex-escravos, nordestinos e seringueiros desempregados, os quais retornam para suas cidades levando a mensagem do evangelho, e tem por característica sua ênfase escatológica e desconexão com o mundo; o quarto é marcado pelo movimento gospel e assimilação cultural.
O autor analisa a relação da cultura brasileira com o protestantismo sob dois possíveis paradigmas: ou o protestantismo cresceu e hoje se encontra presente em todos os cenários, ou tornou-se tão vulgarizado que sua presença não faz nenhuma diferença. O protestantismo assumiu uma postura de assimilação cultural, de forma que hoje há Marchas para Jesus semelhantes à blocos de carnavalIsto levanta a grande questão se de fato a igreja está influenciando a cultura, ou a cultura influencia a igreja pós-moderna.
Ressalta que o protestantismo é marcado pela cultura da negação, uma vez que somos conhecidos pelo que somos proibidos, e não necessariamente pela fé em Cristo. Somos conhecidos por nossa aversão ao mundo e postura abstêmia. Negamos quase todas as expressões de arte por temor à sensualidade e repúdio as expressões culturais, conservando apenas o apreço pela música e literatura, uma herança puritana.
O autor segue analisando a adequação cultural do neopentecostalismo, sendo este a expressão mais brasileira do protestantismo, exatamente por ser marcado por um extremo sincretismo que dialoga com todas as classes sociais, expressões culturais e mesmo religiosas, como o catolicismo, espiritismo e a umbanda. Assim sendo, datas festivas, ritmos e instrumentos musicais ou mesmo práticas litúrgicas são absorvidas, o que explica seu fácil crescimento numérico pela facilidade de adesão, uma vez que não há uma ruptura com a cultura anterior. O neopentecostalismo leva a uma grande confusão, pois em grande parte absorveu os mesmos elementos dos cultos afros. Se antes poder-se-ia acusar o católico por esta similaridade (na figura de santos/orixás e penitências/axé), hoje o maior culpado é o neopentecostal.
O autor aborda um dos aspectos mais sincréticos entre o neopentecostalismo e o candomblé: a instrumentalização do divino. O neopentecostalismo é a progressão da individualidade, tornando-se uma religião de resultados e escatologia terrena marcada pela busca das bênçãos imediatas, atrelando espiritualidade com saúde e prosperidade material. O neopentecostalismo redefine a ênfase escatológica, tornando o fim dos tempos questão acessória diante do gozo imediato.
No tocante a autoridade espiritual, a individualidade subjuga Deus, de forma que tudo gira em torno com as escolhas pessoais e satisfação dos desejos, assemelhando-se ao candomblé e suas divindades desprovidas de uma ética definida. As experiências pessoais são super-valorizadas e a confissão positiva conduz até mesmo a ação de Deus.
O capítulo 8 apresenta Cristo como a resposta para as perguntas que sequer podemos elencar. Ocorre que a sociedade possui diversas questões, sendo certo que os cristãos por anos negligenciaram o debate público como possibilidade de evangelização. Conforme pode-se inferir do trabalho de pesquisa realizado, a ênfase escatológica dos protestantes brasileiros os impediu de debater questões como ecologia, mais especificamente, ecoteologia. 
O protestante brasileiro também é marcado por sua "linguagem de gueto". O uso de termos e chavões que pressupõem um determinado conhecimento bíblico ou inerente à cultura protestante torna o diálogo impraticável. Lutero no século XVI traduziu a Palavra para que o povo em geral pudesse ler a Palavra em seu idioma; os protestantes brasileiros insistem em manter  o uso de uma linguagem própria, mesmo onde o debate deveria ser público.
Assim sendo, se analisarmos a questão principal do livro, qual seja, a possibilidade do protestante brasileiro ter sua contribuição na cultura brasileira, podemos dizer que esta não ocorreu, visto que o nosso uso da língua não traz qualquer proveito para cultura brasileira, exceto a criação de um esteriótipo para programas de humor na televisão.
Se por um lado não respondemos as perguntas que a sociedade levanta, por outro, somos extremamente coniventes em nossa teologia. O autor denuncia a tendência protestante brasileira de tentar adequar o evangelho ao público, buscando aprovação universal. Pedro na casa de Cornélio e Paulo na praça de Atenas levavam a mesma mensagem, para públicos diferentes, que a receberam com reações diferentes. Assim, demonstra-se que a aprovação universal é fruto de um evangelho eufêmico, que não confronta. O protestante brasileiro não dialoga com a sociedade, e quando o faz, é intoxicado pelo temor do proselitismo, pela tentativa de ser laico em sua exposição; confundindo diálogo com conivência.
A ética protestante não dialoga com a arte, pois a arte é aética. O protestante brasileiro tem herança puritana, enquanto a arte não tem pudor. Nosso dualismo enxerga bem e mal, sagrado e profano, sem aceitar o meio termo. Conforme podemos depreender da leitura, nudez é sempre sensualidade, e a estética gera desconfiança. 
O autor apresenta o Protestantismo como a religião do livro, mas mesmo nesta forma de arte somos evidentemente subdesenvolvidos. Um escritor cristão protestante no geral recusa a literatura secular, bem como ser literário, visto que a literatura pede descrição, detalhes, ambientação e construção de história e personagens complexos. É a necessidade de também descrever pecados. Assim sendo, ser cristão é negar o velho homem, enquanto ser escritor é confrontar-se com a realidade que ele ainda está presente, e precisa ser exposto.  Tudo que escrevemos vem de dentro, seja lembrança, realidade ou expectativa. 
Desta forma, produzir uma obra literária é ser o médico e o monstro; ora ser Cecile e em seguida descobrir-se Valmont; é ser nu com as palavras, descrever o que se nega, confessar ser pecador.  Basta assistir dois ou três filmes gospel e encontrará um cristão esteriotipado, quase transcendente por tamanha santidade. Não há um Agostinho realizando confissões. E como a santidade não é real para os cegos, surdos e sem entendimento, a nossa literatura e cinema gospel não tem muito a oferecer para a sociedade além de uma mensagem motivacional.
Gedeon apresenta a falta de estética protestante, bem como sua dificuldade de dialogar com a cultura. Aborda a tendência protestante brasileira de criar uma cultura de adesão à igreja mediante a observância das regras impostas pela mesma, ao mesmo tempo que damos nova roupagem à condutas que repreendemos. Se por um lado negamos o Carnaval, por outro adotamos os acampamentos, feitos em mesmo período, e conforme comparação trazida pelo autor, com os mesmos aspectos.
O autor conclui informando que seu objetivo era apenas levantar questões, e não trazer respostas. Entretanto, é óbvio que todas as perguntas são retóricas, e pela construção narrativa conduzem para resposta que o autor busca que alcancemos. O cristão protestante de fato não contribuiu para cultura brasileira, e sua identidade cultural limita-se ao esteriótipo de linguagem do gueto. 
O leve traço cultural protestante se perdeu com o tempo e conivência social. Éramos denominados "bíblia" pela característica de andarmos com a Palavra embaixo dos braços, e a capacidade de parafrasear o texto bíblico. Embora considerados caricatos, estes cristãos foram o melhor da identidade protestante. A busca dos protestantes por consolidar a sua identidade é recente, através da fixação de feriados e datas comemorativas com reconhecimento público, ainda que não alcance âmbito nacional[1].
Outrossim, não se deve ignorar o fato de que a dissonância cultural não é necessariamente um traço negativo, pois a cultura secular rejeita Cristo. Diferente das religiões afro e do catolicismo, o protestantismo não é conivente, é autoritativo e exclusivista no tocante a salvação. Traços desprezados numa sociedade pós-moderna. Assim, conclui-se que o protestante brasileiro está longe de influenciar a cultura do país.



[1] Vide em https://noticias.gospelmais.com.br/dia-da-biblia-dia-da-oracao-dia-do-pastor-confira-o-calendario-evangelico.html

Um comentário:

Daniel e Eclesiastes 11:9-10

 "Jovem, alegre-se em sua juventude! Aproveite cada momento. Faça tudo que desejar; não perca nada! Lembre-se, porém, que Deus lhe pedi...