Alencar, Gedeon
Freire de, 1961 – Protestantismo Tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição
evangélica à cultura brasileira / Gedeon Freire de Alencar. 2ªed. – São Paulo:
Editora Recriar, 2018.
O livro de Gedeon Freire de Alencar
apresenta em seu título a questão do engajamento cultural do cristão evangélico
dentro da sociedade brasileira, levantando diversos questionamentos cujo
objetivo principal é demonstrar que não há qualquer contribuição protestante
significativa para a cultura do país. O autor deixa claro que não possui
qualquer intenção de responder as razões deste fenômeno, dando margem ao leitor
para fazê-lo.
Gedeon inicia a introdução do seu
trabalho apresentando os três componentes originais da cultura brasileira: o
indígena, o afro e o católico. Tais matrizes possuem marcas facilmente
definíveis na nossa cultura, enquanto o protestantismo não possui qualquer
marca distintiva. Assim sendo, o autor questiona o fato dos cultos afros serem
quantitativamente inferiores aos protestantes, e ainda assim serem
culturalmente influentes.
Ocorre que o estudo do autor se torna
impreciso em certas ponderações, na medida que considera apenas as três maiores
denominações protestantes (assembleianos, batistas e presbiterianos) em seu
trabalho. Se por um lado o autor reconhece a grande influência dos cultos
afros, numericamente inferiores, desconsidera a influência de grupos
protestantes menores.
Ainda que tal postura seja um
delimitador do objeto de pesquisa, ignora grandes contribuições protestantes,
simplesmente por estarem vinculadas a denominações menores. Por exemplo, o
autor aponta a celebração de cultos em português e tradução de hinários apenas
nas décadas de 30 e 40. Entretanto, em 11 de julho de 1858 a Igreja Evangélica
Fluminense era fundada com 14 membros, realizando o batismo de Pedro Nolasco de
Andrade, culto este realizado em português. Em 17 de novembro de 1861 os Salmos
e Hinos, com 50 letras de cânticos (18 salmos e 32 hinos) foi publicado.
Uma imprensa protestante, denominada O Cristão foi fundada em
1892. O autor marca 1930 como o início do “cristianismo brasileiro”, mas nesse
período os congregacionais já haviam até mesmo instalado um seminário teológico
(1914).
Desta forma, quando o autor afirma que o
protestantismo brasileiro é brasileiro, ele o faz quase que exclusivamente
referindo-se ao pentecostalismo, acusando as outras denominações de serem
culturalmente moldadas por influências estrangeiras, e ignorando a contribuição
de outras numericamente inferiores.
Ao abordar o sincretismo denominacional,
que na opinião do autor do presente artigo é um fenômeno a se destacar nos
últimos tempos, Gedeon alega que isto pode ser bom ou ruim, mas segue
criticando o fenômeno, alegando a necessidade de distinções. Se por um lado é
possível concordar que o sincretismo tem por consequência uma geração que
desconhece as suas bases teológicas, é necessário discordar acerca da
necessidade de distinção. É possível que esta aproximação de denominações seja
um dos alicerces para que a identidade cultural protestante seja construída. As
igrejas seguem discordando de questões secundárias, com a diferença que
aprenderam a dialogar. Isto deve ser incentivado, e a saída no tocante a
ignorância acerca das bases teológicas pode ser resolvida pelo ensino da
história denominacional.
O autor trabalha quatro períodos do
Protestantismo Brasileiro: o protestantismo de emigração, o protestantismo de
missão, o protestantismo pentecostal e o protestantismo contemporâneo. O
primeiro objetivou apenas o estabelecimento de uma classe média cujo objetivo
era o branqueamento da nação brasileira, permitindo-se o culto protestante sem
a construção de templos; o segundo objetivou influenciar a elite do país, sendo
marcado pela ênfase na educação como instrumento de conversões; o terceiro
atinge ex-escravos, nordestinos e seringueiros desempregados, os quais retornam
para suas cidades levando a mensagem do evangelho, e tem por característica sua
ênfase escatológica e desconexão com o mundo; o quarto é marcado pelo
movimento gospel e assimilação cultural.
O autor analisa a relação da cultura
brasileira com o protestantismo sob dois possíveis paradigmas: ou o
protestantismo cresceu e hoje se encontra presente em todos os cenários, ou
tornou-se tão vulgarizado que sua presença não faz nenhuma diferença. O
protestantismo assumiu uma postura de assimilação cultural, de forma que hoje
há Marchas para Jesus semelhantes à blocos de carnaval. Isto
levanta a grande questão se de fato a igreja está influenciando a cultura, ou a
cultura influencia a igreja pós-moderna.
Ressalta que o protestantismo é marcado
pela cultura da negação, uma vez que somos conhecidos pelo que somos proibidos,
e não necessariamente pela fé em Cristo. Somos conhecidos por nossa aversão ao
mundo e postura abstêmia. Negamos quase todas as expressões de arte por temor à
sensualidade e repúdio as expressões culturais, conservando apenas o apreço
pela música e literatura, uma herança puritana.
O autor segue analisando a adequação
cultural do neopentecostalismo, sendo este a expressão mais brasileira do
protestantismo, exatamente por ser marcado por um extremo sincretismo que
dialoga com todas as classes sociais, expressões culturais e mesmo religiosas,
como o catolicismo, espiritismo e a umbanda. Assim sendo, datas festivas,
ritmos e instrumentos musicais ou mesmo práticas litúrgicas são absorvidas, o
que explica seu fácil crescimento numérico pela facilidade de adesão, uma vez
que não há uma ruptura com a cultura anterior. O neopentecostalismo leva a uma
grande confusão, pois em grande parte absorveu os mesmos elementos dos cultos
afros. Se antes poder-se-ia acusar o católico por esta similaridade (na figura
de santos/orixás e penitências/axé), hoje o maior culpado é o neopentecostal.
O autor aborda um dos aspectos mais
sincréticos entre o neopentecostalismo e o candomblé: a instrumentalização do
divino. O neopentecostalismo é a progressão da individualidade, tornando-se uma
religião de resultados e escatologia terrena marcada pela busca das bênçãos imediatas,
atrelando espiritualidade com saúde e prosperidade material. O
neopentecostalismo redefine a ênfase escatológica, tornando o fim dos tempos
questão acessória diante do gozo imediato.
No tocante a autoridade espiritual, a
individualidade subjuga Deus, de forma que tudo gira em torno com as escolhas
pessoais e satisfação dos desejos, assemelhando-se ao candomblé e suas
divindades desprovidas de uma ética definida. As experiências pessoais são
super-valorizadas e a confissão positiva conduz até mesmo a ação de Deus.
O
capítulo 8 apresenta Cristo como a resposta para as perguntas que sequer
podemos elencar. Ocorre que a sociedade possui diversas questões, sendo certo
que os cristãos por anos negligenciaram o debate público como possibilidade de
evangelização. Conforme pode-se inferir do trabalho de pesquisa realizado, a
ênfase escatológica dos protestantes brasileiros os impediu de debater questões
como ecologia, mais especificamente, ecoteologia.
O
protestante brasileiro também é marcado por sua "linguagem de gueto".
O uso de termos e chavões que pressupõem um determinado conhecimento bíblico ou
inerente à cultura protestante torna o diálogo impraticável. Lutero no século
XVI traduziu a Palavra para que o povo em geral pudesse ler a Palavra em seu
idioma; os protestantes brasileiros insistem em manter o uso de uma
linguagem própria, mesmo onde o debate deveria ser público.
Assim
sendo, se analisarmos a questão principal do livro, qual seja, a possibilidade
do protestante brasileiro ter sua contribuição na cultura brasileira, podemos
dizer que esta não ocorreu, visto que o nosso uso da língua não traz qualquer
proveito para cultura brasileira, exceto a criação de um esteriótipo para
programas de humor na televisão.
Se
por um lado não respondemos as perguntas que a sociedade levanta, por outro,
somos extremamente coniventes em nossa teologia. O autor denuncia a tendência
protestante brasileira de tentar adequar o evangelho ao público, buscando
aprovação universal. Pedro na casa de Cornélio e Paulo na praça de Atenas
levavam a mesma mensagem, para públicos diferentes, que a receberam com reações
diferentes. Assim, demonstra-se que a aprovação universal é fruto de um
evangelho eufêmico, que não confronta. O protestante brasileiro não dialoga com
a sociedade, e quando o faz, é intoxicado pelo temor do proselitismo, pela
tentativa de ser laico em sua exposição; confundindo diálogo com conivência.
A
ética protestante não dialoga com a arte, pois a arte é aética. O protestante
brasileiro tem herança puritana, enquanto a arte não tem pudor. Nosso dualismo
enxerga bem e mal, sagrado e profano, sem aceitar o meio termo. Conforme
podemos depreender da leitura, nudez é sempre sensualidade, e a estética gera
desconfiança.
O
autor apresenta o Protestantismo como a religião do livro, mas mesmo nesta
forma de arte somos evidentemente subdesenvolvidos. Um escritor cristão
protestante no geral recusa a literatura secular, bem como ser literário, visto
que a literatura pede descrição, detalhes, ambientação e construção de história
e personagens complexos. É a necessidade de também descrever pecados. Assim
sendo, ser cristão é negar o velho homem, enquanto ser escritor é confrontar-se
com a realidade que ele ainda está presente, e precisa ser exposto. Tudo
que escrevemos vem de dentro, seja lembrança, realidade ou expectativa.
Desta
forma, produzir uma obra literária é ser o médico e o monstro; ora ser Cecile e
em seguida descobrir-se Valmont; é ser nu com as palavras, descrever o que se nega,
confessar ser pecador. Basta assistir dois ou três filmes gospel e
encontrará um cristão esteriotipado, quase transcendente por tamanha santidade.
Não há um Agostinho realizando confissões. E como a santidade não é real para
os cegos, surdos e sem entendimento, a nossa literatura e cinema gospel não
tem muito a oferecer para a sociedade além de uma mensagem motivacional.
Gedeon
apresenta a falta de estética protestante, bem como sua dificuldade de dialogar
com a cultura. Aborda a tendência protestante brasileira de criar uma cultura
de adesão à igreja mediante a observância das regras impostas pela mesma, ao
mesmo tempo que damos nova roupagem à condutas que repreendemos. Se por um lado
negamos o Carnaval, por outro adotamos os acampamentos, feitos em mesmo
período, e conforme comparação trazida pelo autor, com os mesmos aspectos.
O
autor conclui informando que seu objetivo era apenas levantar questões, e não
trazer respostas. Entretanto, é óbvio que todas as perguntas são retóricas, e
pela construção narrativa conduzem para resposta que o autor busca que
alcancemos. O cristão protestante de fato não contribuiu para cultura
brasileira, e sua identidade cultural limita-se ao esteriótipo de linguagem do
gueto.
O
leve traço cultural protestante se perdeu com o tempo e conivência
social. Éramos denominados "bíblia" pela característica de andarmos
com a Palavra embaixo dos braços, e a capacidade de parafrasear o texto
bíblico. Embora considerados caricatos, estes cristãos foram o melhor da
identidade protestante. A busca dos protestantes por consolidar a sua
identidade é recente, através da fixação de feriados e datas comemorativas com
reconhecimento público, ainda que não alcance âmbito nacional[1].
Outrossim,
não se deve ignorar o fato de que a dissonância cultural não é necessariamente
um traço negativo, pois a cultura secular rejeita Cristo. Diferente das
religiões afro e do catolicismo, o protestantismo não é conivente, é
autoritativo e exclusivista no tocante a salvação. Traços desprezados numa
sociedade pós-moderna. Assim, conclui-se que o protestante brasileiro está
longe de influenciar a cultura do país.
[1]
Vide em https://noticias.gospelmais.com.br/dia-da-biblia-dia-da-oracao-dia-do-pastor-confira-o-calendario-evangelico.html
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