segunda-feira, 1 de abril de 2019

Crítica Literária: Persuasão - Jane Austen

Anne Elliot é a definição literária pra quando alguém pergunta: Ela é bonita? - E respondem: Simpática!

Eu nunca tinha ouvido falar de Jane Austen até o dia que visitei minha namorada, e ela estava assistindo Orgulho e Preconceito, filme que eu gostei bastante. Algumas semanas depois eu folheava o catálogo da Amazon, e encontrei outra obra da autora, chamada Persuasão, e decidi baixar para o meu Kindle. 

Em poucas palavras, o livro traz a história de Anne Elliot,  numa narrativa quase heróica. É a primeira vez que vejo um romance com elementos de monomito tão definidos! A personagem principal é obrigada a deixar o lar no qual cresceu em função de problemas financeiros gerados por seu pai; passa por uma saga de crescimento e ascensão moral e estética, seguida pelo retorno ao lar com desfecho da história!

Anne Elliot é uma mulher que recusou a proposta de casamento do homem que amava por proibição de seu pai, Sr. Walter, e por recomendação de sua melhor amiga e figura materna, Lady Russell. O primeiro julgava ser o pretendente homem de poucas posses, a última considerava o casamento imprudente quase que pela mesma razão, embora alegue uma questão acerca do caráter do rapaz. Após o rompimento Frederick Wentworth segue carreira militar, e a trama gira em torno do seu retorno e reencontro com a amada.

Em primeiro lugar, gostaria de falar do ponto principal da obra: a obstinação do amor. Se num primeiro lugar a minha tendência era dizer que Persuasão é Orgulho e Preconceito com outro desdobramento, mudei de ideia ao apurar que o centro do debate nas duas histórias é sutilmente diferente. Anne e Frederick não lutam contra seu orgulho, e sim contra a mágoa. Eles não combatem um contra o outro, e sim contra si mesmos. O casal apresenta um amor obstinado, que resistiu à oito anos de distância, resistiu a todas as propostas, e principalmente ao passado.

Anne sofre por ver o homem que ama e do qual desistiu retornar, constatando que ainda o amava, e que em contrapartida não demonstrava sentir nada além de respeito. Sofre por acreditar que a mágoa jamais permitiria que fossem amigos, e com a possibilidade de vê-lo desposado. Sofre por saber que ele sempre estaria ali tão próximo, mas ao mesmo tempo tão inalcançável quando se ainda estivesse em alto mar. O amor vence o tempo e as próprias feridas do amor inicialmente não correspondido.

Esta questão fica mais evidente no comportamento de Frederick! Ele repele Anne com todas as forças, mas demonstra seu amor por atitudes que ele mesmo parece não dar conta! É um conflito interno entre o amor e o desejo de não amar. Quantos de nós recusamos nossos sentimentos por termos sido magoados!

Há uma tentativa da história de apresentar um desenvolvimento gradual da personagem, inicialmente apática e pouco estimada por seus familiares, mas que conquista a estima de todos os personagens secundários no curso da história. A partir de um determinado momento, a beleza da personagem começa a ser explorada com determinada frequência, talvez para demonstrar que se tornava mais bela conforme amadurecia, ou para fazer embate com Frederick, que é apresentado a todo o momento como alvo de atenção das mulheres, causando ciúmes e insegurança na protagonista. Assim, se no primeiro momento Anne sente-se mal pela expectativa de ver seu amado casado, na segunda parte do livro é Frederick que se vê cercado de concorrentes dignos, como Benwick!

A tese acerca da maturidade ganha bastante força (embora a segunda seja um recurso narrativo mais convincente) na medida que outra discussão no livro girar em torno da estética. O pai de Anne despreza-a por ser pouco bonita. Há uma crítica bem visível neste caso. Walter e sua filha mais velha são apresentados como pessoas extremamente fúteis, e todas as suas aparições giram em torno da busca por visibilidade social e exaltação do ego e da beleza. Walter chega a desejar um inquilino digno da residência que ele morou, mas que não fosse socialmente superior a ele, para que aos olhos dos outros ele tenha sido o homem mais valoroso a ter residido em Kenlinch Hall. (Cê acredita?!) Em contrapartida, Anne Elliot se torna mais bonita na medida em que convive mais com as pessoas, pois as pessoas a sua volta estimam sua personalidade!

A própria Anne deixa pistas da visão da autora acerca do conflito entre estética e personalidade. O pai, sempre a julgar os outros pela aparência, começa a se apaixonar pela melhor amiga da filha, que ele mesmo considerava feia! A convivência com esta e sua personalidade passaram a "fotoshopar" todos os "defeitos estéticos" que ele apontava. O amor é realmente cego, ou no mínimo tem um bom designer gráfico, já que ele começa a ver o objeto do seu desejo sem sardas no rosto!

A crítica da aparência também aparece personificada no primo Walter, que para não causar confusão vou chamar de Waltinho. Waltinho é apresentado como um homem belo e irrepreensível, até que uma amiga em comum deste com Anne revela a verdade por detrás da aparência! Se quiser descobrir, leia o livro! Este contraste culmina com o arrependimento de Lady Russell por há oito anos julgar tão mal Frederick, na mesma medida que julgou Waltinho bem. As aparências enganam!

Uma questão que não chega a ser incômoda, mais que chamou a minha atenção é a velocidade como as coisas ocorrem. O casal se repele por toda a obra, que vai ter seu desfecho praticamente no último capítulo! Jane Austen constrói uma riqueza de personagens secundários, uma trama complexa onde há sempre um terceiro interessado que impede o casal de ficar junto, pra no final solucionar tudo de maneira extremamente simples e corrida! Uma única carta!


Tudo bem, quem leu o livro vai dizer que a autora deixou muitas "pistas" do amor recíproco no curso do livro, mas mesmo assim! FOI UMA CARTA! NO PENÚLTIMO CAPÍTULO! Não houve sequer uma dificuldade imposta pela família, e com isso nenhuma evolução, pois a permissão se justifica pelo nível social de Frederick. Na melhor das hipóteses, entendo que Anne adquiriu tanta sagacidade que abusou até da falta de moral do pai.

Recomendo muito a leitura do livro! Fazia coisa de mais de um ano que eu não lia um romance, e este me agradou bastante! Aprendam com Anne e Frederick: Se há amor, esquece a ferida! O amor vai ser sempre o menor dos arrependimentos! Se você é como Anne, não recuse o sentimento; se é como Frederick, assim que possível, vença a mágoa! Não sabe qual dos dois? Pegue o livro e descubra!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Daniel e Eclesiastes 11:9-10

 "Jovem, alegre-se em sua juventude! Aproveite cada momento. Faça tudo que desejar; não perca nada! Lembre-se, porém, que Deus lhe pedi...