terça-feira, 10 de abril de 2018

Posso/Devo beber? O cristão e o álcool.

E aí gente, beleza? Pra quem acompanhou meus dois artigos sobre os presbíteros, devem saber que deixei a questão do consumo de bebida alcoólica para um artigo individual. A razão disto é porque o assunto tem muita discussão, e, se por um lado não é uma questão fundamental do Cristianismo, por outro lado, não merece o tratamento leviano e as ponderações descuidadas e por vezes sem fundamentos com as quais o tema é abordado.



Correntes

Quando um cristão é questionado acerca do consumo de bebidas alcoólicas a resposta não é unânime. é bem capaz de encontrarmos numa roda de amigos da igreja ao menos um que defenda uma das três posições abaixo:

Proibitivo: um cristão de posicionamento proibitivo vai defender não apenas a abstenção do vinho, como também a proibição nas Escrituras.

Abstêmios: um cristão abstêmio (eu por exemplo) reconhece que não há um imperativo proibitivo para o consumo de bebida, mas desencoraja o consumo. Um abstêmio jamais afirmará que a bíblia proíbe o consumo de bebidas alcoólicas, mas nem por isso ele irá beber, em consideração ao potencial negativo do consumo de bebidas.

Moderado: um cristão moderado é aquele que não só afirma que a Palavra não proíbe o consumo de bebidas alcoólicas, como também consome.

Logo, há três possíveis resposta no seio da igreja. Qual será a correta? Há uma correta?

Onde a bebida alcoólica aparece na bíblia?

A bebida alcoólica aparece na bíblia  em diversas passagens que informam o consumo do vinho. E, caso analisemos as palavras originais traduzidas para vinho (seguindo um estudo do tema proposto por John MacArthur), todas elas dizem respeito à bebidas fermentadas, de teor alcoólico.

No Antigo Testamento, temos a ocorrência do termo yayin, o qual não diferencia nem o vinho velho, nem o novo, nem o suco de uva. Ou seja, embora alguns aleguem tratar-se de tradução para suco ou extrato não fermentado de uva (como em Jeremias 48:33), isto não estará correto em todos os casos. Por exemplo, em Gênesis 9:21, Noé bebeu vinho a ponto de embriagar-se e ficar nu. 

Há também a ocorrência do termo shekar, que pode ser traduzido como "bebida forte", e é oriundo do verbo shakar, que significa "embebedar-se". Ora, se o vinho não possui teor alcoólico, por que a raiz da palavra é o termo referente ao consumo de bebida capaz de embriagar um homem? O que seria "bebida forte", senão a bebida com teor alcoólico?

Há também o uso da palavra tirôsh, referente a sucos doces e mostos, sendo associado ao suco de uva não fermentado. Ora, se há uma palavra no Antigo Testamento que especificamente aborda o suco de uva não fermentado, seria hipocrisia ou tolice afirmar que todas dizem respeito a suco de uva sem teor alcoólico.

A discussão sobre o consumo de bebida alcoólica no Antigo Testamento tem fim no uso de yayin e shekar no mesmo versículo, hipótese na qual referem-se à vinho totalmente fermentado, como em Isaías 28:7. Ora, até o presente momento eu nunca vi um homem cambalear tomando suco de uva!

Já no Novo Testamento, o termo original em grego seria oinos, que  não faz distinção entre o vinho no início da fermentação (Marcos 2:22 - o vinho recém produzido é posto nos odres), o vinho fermentando (Marcos 2:22 - o início da fermentação faz os odres se romperem) ou já fermentado (Lucas 1:15). 

Também há o termo sikera, que diz respeito a "bebida forte", correspondente ao hebraico shekar.

E o que podemos dizer sobre o vinho na Palavra?

Antes de mais nada, é importante dizer que mesmo o dito "vinho novo" pode ter teor alcoólico, visto que a fermentação é um processo quase que imediato. Ocorre que para os homens, o "vinho velho" era considerado bom, em razão da elevada fermentação (Lucas 5:39). Há quem diga, neste sentido, que o vinho que Jesus produziu em seu milagre nas bodas seria fermentado!  Seria costume dar o vinho mais fermentado no começo (o bom!) e quando todo mundo já estava embriagado, davam o vinho novo, pouco fermentado. É certo inclusive afirmar que o vinho que é muito diluído nem mesmo é elogiado, conforme podemos inferir em Isaías 1:22. 

Fica difícil para os que dizem que o vinho da bíblia não possui teor alcoólico sustentar essa posição quando nos deparamos com passagens como Salmos 104:15, que faz alusão ao efeito de contentamento do consumo de bebida alcoólica, ou Provérbios 31:6, que recomenda vinho aos amargurados de espírito.

O vinho é vinculado também à tratamentos médicos (1 Timóteo 5:23), como antisséptico ou lenitivo para dores estomacais.

E, para os que dizem que o vinho é algo proibido, abordando a bebida como uma espécie de coisa impura e do diabo, tal posição carece de fundamento quando vemos a bebida ser oferecida nas ofertas ao Senhor, como em Êxodo 29:40 e Números 15:5.

E qual o erro dos proibidores?

Das três posições, eu consideraria a dos Proibidores a única incorreta. Afirmar que a Palavra proíbe o consumo de bebidas, diante de todas as informações acima é ir além do que a Palavra nos ensina. A Palavra de Deus é: inerrante, autoritativa e condena expressamente o abuso do álcool.

Se a Palavra de Deus não proíbe o consumo de bebidas alcoólicas, ao afirmar o contrário, o cristão coloca em xeque a inerrância das Escrituras, visto que dispensa tratamento diverso ao assunto, como se Deus houvesse errado ou se omitido ao não proibir o consumo. Também afronta a autoridade das Escrituras, ao impor a própria autoridade sobre a de Deus, impondo uma regra de fé e prática que a Palavra não exige, em semelhança aos líderes judeus que impunham a tradição.

Em passagem alguma vemos uma ordem para que o cristão em nenhuma hipótese beba vinho! A Palavra não condena o uso, e sim o abuso do consumo de bebidas. 

Como argumento, peguemos os versículos de I Timóteo 3 e Tito 1, que traz como requisito que o candidato "não seja dado ao vinho". Essa expressão vem da palavra paroinos, que pode ser traduzida como "colocar-se ao lado", ou seja, dizia respeito ao homem que sentava-se junto ao odre pra beber, de forma que seu copo estava sempre cheio e sua tendência era embriagar-se. 

O abuso do álcool usurpa a consciência e discernimento do homem, que precisa estar no controle de suas faculdades. Um bêbado se entrega às paixões e não discerne sequer a própria vontade! Quem dirá a de Cristo então? Falta-lhe lucidez e domínio próprio! Por esses e outros motivos, a embriaguez é condenada por Deus!

Ah, Pedro, mas o vinho era misturado com água!

De fato era! Pisado no lagar e desidratado até virar uma pasta, que era diluída em água para o consumo! Isso é verdade! Mas quem disse que isso tira o teor alcoólico de uma bebida?

A verdade é que TODA BEBIDA É MISTURADA COM ÁGUA! Toda bebida alcoólica leva água na composição, o que muda é a concentração de álcool!

A Escala Gay Lussac é responsável por determinar o teor alcoólico de uma bebida, medindo-se a razão de mililitros de álcool por 100ml da composição.

Só a título de exemplo, a cada 100ml de água na cerveja, há entre 5% a 9% de álcool! A aguardente tem entre 38% a 54%; a cachaça tem 38% a 48%, e por aí vai!

Mas e o vinho? O vinho tem entre 11% a 14% de álcool! Sobre a alegação da pasta ser diluída em água, cumpre ressaltar que dependendo do grau de diluição, as vezes o vinho não chegava nem a 3% de teor alcoólico! Mas mesmo assim, não dá pra dizer que não tinha álcool! Daí se entende a expressão "dado ao vinho" com mais clareza! Pro cara se embriagar com um vinho bem diluído, ele tinha que beber muito, ou seja, sentava-se junto ao vinho!

Caso semelhante no nosso tempo, quando a Ambev foi multada por dizer que sua cerveja Kronenbier era sem álcool, só por estar abaixo do percentual adotado para considerar uma bebida como alcoólica, mas havia uma porcentagem de álcool ainda menor que a deste vinho muito diluído!

E qual o dilema dos Moderados?

Eu não posso afirmar que os moderados erram, mas posso afirmar que eles vivem em grande dilema, de forma que ainda creio que a abstenção é o melhor caminho. Primeiro pela facilidade de se embriagar que nós temos hoje em dia, pois, como vimos acima, a bebida alcoólica que a Palavra apresenta é bem diferente da que temos hoje em dia! São bebidas com até o triplo do teor alcoólico dos vinhos e licores. A lógica é que bebidas mais fortes embriagam mais rápido!

Fica muito difícil apurar o momento em que a embriaguez torna-se um problema, visto que não há um parâmetro objetivo para dizer "Eu estou embriagado", bem como haver fatores externos que dificultam o impulso de parar, como por exemplo, o sabor da bebida; e fatores que facilitam a embriaguez, como consumir a bebida em jejum; e fatores biológicos como sexo (as mulheres ficam bêbadas mais rápido), idade ou ser obeso ou estar acima do peso.

Ainda tem o dilema jurídico! Quando a embriaguez é pecado, se, juridicamente falando, os efeitos do álcool como contentamento e relaxamento citados alguns parágrafos acima podem pressupor o primeiro estágio da embriaguez?  Nas aulas de Direito Penal, a fim de trabalhar a embriaguez como excludente de culpabilidade, minha querida professora me apresentou uma comparação antiga, onde três estágios da embriaguez são representados por três animais!

Segundo a comparação, o primeiro estágio é a euforia, representada pelo macaco, em razão de ser um animal saltitante e hiperativo, que representa o homem no início da embriaguez, quando fica eufórico, alegre e brincalhão! Neste estado, ele ainda conserva a sua consciência, mas já está sob os efeitos do álcool! Nossa tendência é considerar a embriaguez apenas a partir do segundo estágio, representado pelo leão, para retratar as mudanças temperamentais geradas pela bebida, por ser a fase, por exemplo, onde, já não tendo domínio de suas faculdades, o homem torna-se agressivo e suscetível. O terceiro estágio então nem se fala! Representado pelo porco, o homem já está na lama! Diz respeito ao ápice da embriaguez, caracterizada pela inconsciência e perda total das faculdades!

Ora, se para medicina legal e para o Direito os efeitos do álcool na primeira fase da embriaguez e antes dela são os mesmos, como posso saber se já não estou embriagado, ainda que consciente?

Outro dilema seria o escândalo, hipótese na qual Paulo apresenta o princípio da abstenção para não contaminar a consciência de irmãos considerados mais fracos. Ao abordar o consumo de carne sacrificada a ídolos, Paulo informa para os irmãos que têm consciência de que comer ou não não fará diferença, mas, se um irmão fraco ver o consciente comendo e isso lhe for razão de escândalo, isso se torna um pecado contra Cristo (I Coríntios 8). Assim como a carne, se a bebida escandalizar meu irmão, o correto é que eu não beba mais.

Uma forma apresentada pelos moderados de evitar essa abstenção é o consumo de bebidas em casa, sozinho ou com outros irmãos também moderados, para não haver o risco de um irmão fraco passar e ver!



O que seria a potencialidade negativa para um Abstêmio?

Como um abstêmio, além da questão do escândalo, eu, Pedro Silva Drumond, peco contra minha consciência se consumo álcool, pois, embora saiba que não é proibido, não me sinto bem, por ligar a bebida ao meu velho homem. Logo, se não peco contra a consciência de outrem, peco contra a minha.

Além disso, o consumo alcoólico é potencialmente lesivo, se considerarmos o risco de alcoolismo, e do ponto de vista médico legal, o aumento das possibilidades de cometer-se um ilícito penal sob efeito da bebida.

Outrossim, fica muito complicado você mostrar para um homem que a vida toda foi alcoólico, e que quer lutar por amor a Cristo e renovação de vida, que o consumo de álcool é lícito. É como colocar um hipocondríaco perto de uma bula de remédio e pedir para ele não ler! Esse homem precisa encontrar na igreja o que não encontrou no mundo, e não o contrário!

E por incrível que pareça, ainda temos que lidar com a ideia de falsa aceitação e tolerância ao mundo que o consumo de álcool propõe, quando na verdade este mundo e seus ideais não tem conformidade com os nossos! Só como exemplo, minha maravilhosa e incomparável mãe (os elogios são porque sei que ela vai ler e depois reclamar que falei dela) que, ao receber uma garrafa de cerveja artesanal que comprei para ela experimentar, pois sabia que ela gostava, quis logo postar nas redes sociais da seguinte forma: "Presente do meu filho crente", no sentido de que as pessoas me vissem como um cara tolerante, mas que também poderia ser mal interpretado como um cara anuente! Para mim foi uma lição de que eu não sou apenas filho, ou estudante, ou homem simplesmente; eu sou cristão! Filho cristão, estudante cristão, trabalhador cristão, homem cristão. Tudo que eu fizer, por mais inocente que seja aos meus olhos, vai refletir na forma como o mundo verá o cristianismo!

Além disso, eu também vejo um padrão no qual homens separados para Deus deveriam se abster do vinho, ainda que em caráter temporário! É o caso dos nazireus (Nm 6:2-6), sacerdotes em exercício (Lv 10:8-11), reis (Pv 31:4-5) e mesmo o caso de João Batista (Lc 1:15), Estes homens não deveriam consumir bebida alcoólica, e eu, como embaixador de Cristo, separado para Deus, missionário em tempo integral (tudo fora da igreja é um campo missionário), tenho essa regra para mim não como um peso da lei, mas como uma decisão de amor à Deus e ao meu próximo.

Conclusão

O consumo de bebidas alcoólicas não tem proibição na bíblia, recomendando-se moderação caso opte por beber. Há, ainda, recomendações para não consumir, se isso for escandalizar seu irmão e ser causa de tropeço para ele! Considerando todos os contras do consumo de bebidas, opto pela postura de abstenção.

Observação:

Consumir bebidas alcoólicas aumenta as chances de ouvir Pablo, Maiara e Maraísa ou Wesley Safadão, e, por mais esta razão, não recomendo o consumo de bebida alcoólica!

Eeeeeeh sofrência!!!


4 comentários:

  1. Muito boa exegese! Deus continue abençoando sua vida e ministério.

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  2. Excelente Pedro, agora sei como parar de ouvir Wesley Safadão....kkk
    Brincadeira. Muito bom, Deus abençoe!

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  3. Excelente texto! Parabéns!!!!

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Daniel e Eclesiastes 11:9-10

 "Jovem, alegre-se em sua juventude! Aproveite cada momento. Faça tudo que desejar; não perca nada! Lembre-se, porém, que Deus lhe pedi...