sábado, 6 de outubro de 2018

STCN - Resenha do livro: Recomendações aos jovens teólogos e pastores

Thielicke, Helmut. Recomendações aos Jovens Teólogos e Pastores. Vida Nova. 2014.





A obra escrita por Helmut Thielicke aborda, em suma, os perigos para a alma do jovem estudante de Teologia. Tais perigos não se restringem aos riscos externos, e por vezes tem sua gênese no próprio coração e mente do aluno. A obra objeto de estudo possui grande valor não apenas para aqueles que estão iniciando seus estudos, a fim de que estejam cientes dos riscos aos quais serão expostos, de forma que possam trabalhar medidas para impedi-los ou remediá-los; como também para os pastores responsáveis por esses jovens, a fim de que estejam prontos para tomar medidas em prol da saúde espiritual do jovem teólogo.

O primeiro problema a ser encarado pelo autor é apresentado como a ansiedade do cristão comum quanto ao estudo da Teologia, de forma que diversos jovens que despertam o seu interesse pelo estudo teológico são alertados pelos membros da igreja acerca da possibilidade de corromper-se. Tal cetismo em relação ao estudo acadêmico da Teologia tem como fundamento a preocupação com a saúde espiritual do aluno. O autor aponta dois fundamentos basilares desse cetismo em relação a Teologia: Experiência e Princípios. Ambos os argumentos são trabalhados de forma clara e concisa no decorrer do livro.

No que diz respeito as experiências o autor aborda o retorno do jovem teólogo para igreja, que no decorrer dos seus estudos começa a perder a piedade e vigor espiritual em detrimento de conceitos e ideias abstratas. Neste ponto o autor é extremamente eficaz em demonstrar que os desvios por parte do estudante por vezes são tão indistinguíveis e traiçoeiros quanto o pecado pode ser. Tomando a forma da devoção apaixonada pelo pensamento teológico que muda o pensar e falar do estudante, o esfriamento espiritual encontra espaço na lacuna entre todo o conhecimento adquirido na cadeira da academia e a efetiva experiência de vida do jovem teólogo. Conceitos teológicos que moldam o pensamento hoje são frutos não apenas do pensamento, como também do esforço e experiência espiritual daqueles que os desenvolveram. Thielicke denomina este problema de “Experiência Conceitual”, que nada mais é do que o conhecimento desprovido da experiência de vida que o fundamenta, originando os problemas de conduta e intelectualidade exacerbada. A solução apontada pelo autor é silenciar o jovem estudante, impedindo-o de lecionar ou pregar, até que intelecto e experiência estejam caminhando juntos.

A lacuna intelecto/experiência é apresentada na figura de uma espécie de “puberdade teológica”, comparando a fase inicial dos estudos teológicos com a fase de mudança hormonal e fisiológica do corpo humano. Outro ponto interessante abordado pelo autor é que esse fervor por intelectualidade, quando desprovido da experiência de vida piedosa tem como um desdobramento o crescimento da vaidade por conceitos teológicos que leva o estudante a afastar-se dos demais cristãos considerados leigos. Esse orgulho intelectual tem como principal motivo a natureza pecaminosa do homem, pela qual amor e verdade tendem a caminhar separados. De um lado o conhecimento seduz através do sentimento de posse e poder pelo saber, levando o jovem estudante ao sentimento de superioridades, o que é chamado de Psicologia do Possuidor; por outro, o amor é apresentado como o oposto do conhecimento, na medida em que o conhecimento é individual e tende à vanglória, enquanto o amor é altruísta e humilha a si em favor do outro.

No que diz respeito aos princípios, o autor apresenta os pressupostos do cristão comum como outro ponto de cetismo em relação à Teologia. O foco é dado à herança teológica da Reforma Protestante, na figura do “Sola Fide” e “Sola Scriptura”, uma vez que a igreja no geral questiona a necessidade de conhecimentos adicionais para sustentar a fé, diante da exclusividade da mesma para salvação e da autoridade das Escrituras como regra de fé e prática. É evidente que o âmago da discussão diz respeito à fé salvífica, de forma que o autor salienta que é incondicional, desvinculada do resultado de pesquisas históricas, afirmando que não é o esforço teológico que chancela a fé do teólogo. Longe da motivação, o esforço teológico é um ato de fé, pressupõe que a mesma já exista e motiva o pensar e agir do estudante. Desta forma, o estudo teológico está inserido no conceito de “Soli Deo Gloria”, como ato de fé para o teólogo glorificar ao Senhor com todo o seu entendimento.

Segundo o autor, uma vez que a Dogmática é comparável à uma arte difícil e elevada, em razão de ter como objeto de estudo a revelação de Deus ao homem, é necessário ter cuidado com a metodologia de estudo. Teologia deve ser feita na segunda pessoa, colocando a revelação como forma relacional do homem com o Senhor. A mudança de foco ocorre geralmente quando o jovem teólogo troca a leitura devocional pelo labor exegético do texto. É necessário, portanto, que a teologia seja feita em oração, reconhecendo que mais do que registro histórico, a Palavra é Deus dirigindo-se a quem estuda. Nesse ponto, pode-se afirmar que o objeto de estudo da Dogmática não pode ser considerado apenas do ponto de vista acadêmico e científico, uma vez que não possui todos os seus pressupostos interpretativos e pedagógicos. Um bom exemplo está no conceito de Morte do Autor, de Barthes. A necessidade da Teologia em oração está diretamente ligada ao fato de que o Autor da Revelação não está morto para quem lê. Ele conversa com o teólogo enquanto este o exalta com todo seu coração e entendimento, na análise diligente do que o Senhor tem a dizer. Teologia é um diálogo, e seu resultado não é um pluralismo de interpretações, e sim a palavra autoritativa daquele que Se revela.

Por último, ressalta a Teologia como atividade humana, o esforço do homem em compreender seu Criador. Como atividade humana, sujeita a todos os atributos daquele que a exerce, entre eles a natureza pecaminosa. Desta forma, a teologia pode ser sagrada ou diabólica, de acordo com o coração de quem a estuda, razão pela qual o jovem teólogo deve ter o cuidado de viver uma vida piedosa, a qual não pode ser sufocada pelo seu esforço em analisar cientificamente a Palavra. Em termos práticos, um cientista que tiver diante de si um pedaço de pão e o utilizar apenas para estudo científico morrerá de inanição; o teólogo que vê em Cristo e na revelação apenas o objeto de estudo corre o mesmo risco da fome tendo diante de si o Pão da Vida.

Conclui-se, portanto, a necessidade de viver aquilo que se estuda. Teologia é apresentada como mais do que o esforço da mente em compreender o criador: é o filho relacionando-se com o seu Pai. Para que a Palavra que santifica não seja utilizada como meio de pecado, o jovem teólogo deverá ter como base do estudo os dois primeiros mandamentos, a humildade, consciência de humilhação inerente ao homem, piedade e devoção. A preocupação da igreja com a saúde do estudante não deve ser ignorada pelo mesmo; este deve buscar nos seus irmãos um critério de avaliação do resultado de seus estudos e do seu fervor espiritual diante de todo intelecto adquirido, desde que a Palavra chancele as conclusões de ambos.

Pedro Silva Drumond é acadêmico do primeiro período do Curso de Teologia do Seminário Teológico Congregacional de Niterói.

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