Thielicke, Helmut. Recomendações aos Jovens Teólogos e Pastores. Vida Nova. 2014.
A obra escrita por Helmut Thielicke
aborda, em suma, os perigos para a alma do jovem estudante de Teologia. Tais
perigos não se restringem aos riscos externos, e por vezes tem sua gênese no
próprio coração e mente do aluno. A obra objeto de estudo possui grande valor
não apenas para aqueles que estão iniciando seus estudos, a fim de que estejam
cientes dos riscos aos quais serão expostos, de forma que possam trabalhar
medidas para impedi-los ou remediá-los; como também para os pastores
responsáveis por esses jovens, a fim de que estejam prontos para tomar medidas
em prol da saúde espiritual do jovem teólogo.
O primeiro problema a ser encarado pelo
autor é apresentado como a ansiedade do cristão comum quanto ao estudo da
Teologia, de forma que diversos jovens que despertam o seu interesse pelo
estudo teológico são alertados pelos membros da igreja acerca da possibilidade
de corromper-se. Tal cetismo em relação ao estudo acadêmico da Teologia tem
como fundamento a preocupação com a saúde espiritual do aluno. O autor aponta
dois fundamentos basilares desse cetismo em relação a Teologia: Experiência e
Princípios. Ambos os argumentos são trabalhados de forma clara e concisa no
decorrer do livro.
No que diz respeito as experiências o
autor aborda o retorno do jovem teólogo para igreja, que no decorrer dos seus
estudos começa a perder a piedade e vigor espiritual em detrimento de conceitos
e ideias abstratas. Neste ponto o autor é extremamente eficaz em demonstrar que
os desvios por parte do estudante por vezes são tão indistinguíveis e
traiçoeiros quanto o pecado pode ser. Tomando a forma da devoção apaixonada
pelo pensamento teológico que muda o pensar e falar do estudante, o esfriamento
espiritual encontra espaço na lacuna entre todo o conhecimento adquirido na
cadeira da academia e a efetiva experiência de vida do jovem teólogo. Conceitos
teológicos que moldam o pensamento hoje são frutos não apenas do pensamento,
como também do esforço e experiência espiritual daqueles que os desenvolveram.
Thielicke denomina este problema de “Experiência Conceitual”, que nada mais é
do que o conhecimento desprovido da experiência de vida que o fundamenta,
originando os problemas de conduta e intelectualidade exacerbada. A solução
apontada pelo autor é silenciar o jovem estudante, impedindo-o de lecionar ou
pregar, até que intelecto e experiência estejam caminhando juntos.
A lacuna intelecto/experiência é
apresentada na figura de uma espécie de “puberdade teológica”, comparando a
fase inicial dos estudos teológicos com a fase de mudança hormonal e
fisiológica do corpo humano. Outro ponto interessante abordado pelo autor é que
esse fervor por intelectualidade, quando desprovido da experiência de vida
piedosa tem como um desdobramento o crescimento da vaidade por conceitos
teológicos que leva o estudante a afastar-se dos demais cristãos considerados
leigos. Esse orgulho intelectual tem como principal motivo a natureza
pecaminosa do homem, pela qual amor e verdade tendem a caminhar separados. De
um lado o conhecimento seduz através do sentimento de posse e poder pelo saber,
levando o jovem estudante ao sentimento de superioridades, o que é chamado de
Psicologia do Possuidor; por outro, o amor é apresentado como o oposto do
conhecimento, na medida em que o conhecimento é individual e tende à vanglória,
enquanto o amor é altruísta e humilha a si em favor do outro.
No que diz respeito aos princípios, o
autor apresenta os pressupostos do cristão comum como outro ponto de cetismo em
relação à Teologia. O foco é dado à herança teológica da Reforma Protestante,
na figura do “Sola Fide” e “Sola Scriptura”, uma vez que a igreja no geral
questiona a necessidade de conhecimentos adicionais para sustentar a fé, diante
da exclusividade da mesma para salvação e da autoridade das Escrituras como
regra de fé e prática. É evidente que o âmago da discussão diz respeito à fé
salvífica, de forma que o autor salienta que é incondicional, desvinculada do
resultado de pesquisas históricas, afirmando que não é o esforço teológico que
chancela a fé do teólogo. Longe da motivação, o esforço teológico é um ato de
fé, pressupõe que a mesma já exista e motiva o pensar e agir do estudante.
Desta forma, o estudo teológico está inserido no conceito de “Soli Deo Gloria”,
como ato de fé para o teólogo glorificar ao Senhor com todo o seu entendimento.
Segundo o autor, uma vez que a
Dogmática é comparável à uma arte difícil e elevada, em razão de ter como
objeto de estudo a revelação de Deus ao homem, é necessário ter cuidado com a
metodologia de estudo. Teologia deve ser feita na segunda pessoa, colocando a
revelação como forma relacional do homem com o Senhor. A mudança de foco ocorre
geralmente quando o jovem teólogo troca a leitura devocional pelo labor
exegético do texto. É necessário, portanto, que a teologia seja feita em
oração, reconhecendo que mais do que registro histórico, a Palavra é Deus
dirigindo-se a quem estuda. Nesse ponto, pode-se afirmar que o objeto de estudo
da Dogmática não pode ser considerado apenas do ponto de vista acadêmico e
científico, uma vez que não possui todos os seus pressupostos interpretativos e
pedagógicos. Um bom exemplo está no conceito de Morte do Autor, de Barthes. A
necessidade da Teologia em oração está diretamente ligada ao fato de que o
Autor da Revelação não está morto para quem lê. Ele conversa com o teólogo
enquanto este o exalta com todo seu coração e entendimento, na análise diligente
do que o Senhor tem a dizer. Teologia é um diálogo, e seu resultado não é um
pluralismo de interpretações, e sim a palavra autoritativa daquele que Se
revela.
Por último, ressalta a Teologia como
atividade humana, o esforço do homem em compreender seu Criador. Como atividade
humana, sujeita a todos os atributos daquele que a exerce, entre eles a
natureza pecaminosa. Desta forma, a teologia pode ser sagrada ou diabólica, de
acordo com o coração de quem a estuda, razão pela qual o jovem teólogo deve ter
o cuidado de viver uma vida piedosa, a qual não pode ser sufocada pelo seu
esforço em analisar cientificamente a Palavra. Em termos práticos, um cientista
que tiver diante de si um pedaço de pão e o utilizar apenas para estudo
científico morrerá de inanição; o teólogo que vê em Cristo e na revelação
apenas o objeto de estudo corre o mesmo risco da fome tendo diante de si o Pão
da Vida.
Conclui-se, portanto, a necessidade de
viver aquilo que se estuda. Teologia é apresentada como mais do que o esforço
da mente em compreender o criador: é o filho relacionando-se com o seu Pai.
Para que a Palavra que santifica não seja utilizada como meio de pecado, o
jovem teólogo deverá ter como base do estudo os dois primeiros mandamentos, a
humildade, consciência de humilhação inerente ao homem, piedade e devoção. A
preocupação da igreja com a saúde do estudante não deve ser ignorada pelo
mesmo; este deve buscar nos seus irmãos um critério de avaliação do resultado
de seus estudos e do seu fervor espiritual diante de todo intelecto adquirido,
desde que a Palavra chancele as conclusões de ambos.
Pedro Silva Drumond é acadêmico do primeiro período do Curso de Teologia
do Seminário Teológico Congregacional de Niterói.
Nenhum comentário:
Postar um comentário