quinta-feira, 8 de abril de 2021

Considerações sobre "João Calvino - 500 anos"

O livro escrito por Hermisten Maia aborda a vida e teologia do reformador de Genebra, João Calvino. A obra se divide em duas partes, sendo certo que a primeira consiste no apanhado histórico, trazendo o pano de fundo da Reforma Protestante. Tal divisão é extremamente necessária para compreender tanto a história da Reforma, quanto algumas das formulações teológicas e filosóficas da época.

Inicialmente, destaca-se a Reforma como um movimento teológico e religioso, com raízes no Humanismo e Renascimento, os quais facilitaram a expansão das ideias e pensamentos de reforma dentro da igreja e sociedade. Tais movimentos por si só não era suficientes, de forma que a origem da Reforma Protestante encontra-se também na ênfase nas Escrituras dadas pelo Senhor. Havia grande comoção pelo retorno à Palavra Deus, em detrimento da tradição católica.

Ao abordar a história da vida de João Calvino, a obra trata dos pressupostos do reformador, sua vida, formação e experiência de conversão. Aliás, há poucas informações de caráter pessoal da experiência do reformador com Cristo, que se limita a citá-la poucas vezes e sem muitos detalhes. Um paralelo entre o Humanismo e a visão de Calvino nos é apresentada: para o humanista de seu tempo, a ênfase era na exaltação e capacidade do ser humano; Calvino, por outro lado, apresenta um humanismo caracterizado pela exaltação do homem como criatura portadora da imagem e semelhança de Deus, ressaltando a sua incapacidade. Portanto, o diferencial das duas visões é que a primeira coloca o homem no pedestal, e a segunda torna-o valoroso, na medida em que se valoriza Deus em primeiro lugar.

Nos termos acima, Calvino nos é apresentado como um humanista, pois detinha o conhecimento do movimento, e correspondia-se com amigos humanistas ao seu tempo. O pressuposto da valorização do homem está presente na sua obra e teologia, mesmo sem transformar o ser humano em objeto de adoração.

A segunda parte do livro aborda a teologia e prática de João Calvino. A pauta inicial diz respeito às Escrituras e o debate da sua suficiência como regra de fé e prática para a igreja e o indivíduo. A Palavra, embora não seja exaustiva em todos os assuntos, traz informações suficientes acerca da vida cristã e salvação do homem através de Jesus Cristo. Ela é autoritativa, pois não se propõe a explicar Deus e sua soberania, mas sim afirma-la e defendê-la como pressuposto.

Na medida em que a Palavra não é exaustiva, porém é autoritativa, dois pressupostos são defendidos na teologia de Calvino: (1) assim como defendia a Reforma Protestante, as Escrituras deveriam ser a regra de fé  e prática da igreja, orientando o culto  e a vida pessoal dos indivíduos. É a Palavra que deve justificar as ações, crenças e fé das pessoas, e não a tradição ou autoridade de líderes religiosos; (2) Por outro lado, a tradição tem o seu devido lugar tanto na história quanto na vida prática da igreja. A tradição pode trazer parâmetros para vida cristã, desde que não avoque para si a inspiração e infalibilidade das Escrituras.

Isto porque o responsável  pelas Escrituras e sua preservação é o próprio Espírito Santo, o qual guiou os autores humanos na redação das palavras de Deus, no processo de inspiração. Quando Moisés, Lucas, Paulo ou qualquer outro autor bíblico escreveram, era o Espírito conduzindo-os na produção das Escrituras. Este mesmo Espírito preservou o texto bíblico pelos séculos seguintes, a fim de que a igreja tivesse acesso ao conhecimento de Deus. Por fim, o mesmo Espírito ilumina a igreja para reconhecer as Escrituras como Palavra de Deus. Com base nesta informação o Espírito Santo e a Palavra de Deus são inseparáveis.

Nas Escrituras o homem tem toda a informação necessária acerca de Deus, o relacionamento com a humanidade, queda, salvação e santificação. Ao tomar conhecimento de Deus, Seu poder e atributos, e de quem é o homem diante dEle de fato conhecer a si mesmo. Conforme já citado anteriormente, o conhecimento e valorização do homem só é possível na medida em que ele conhece e valoriza ao Deus cuja imagem e semelhança ele é dotado. Conhecer a Deus se torna um privilégio responsabilizador, pois apresenta ao homem a necessidade de busca diária da conformidade ao Deus Santo que o criou.

O livro também aborda a responsabilidade pastoral, os quais são vocacionados e capacitados pelo próprio Senhor a fim de serem usados para o ensino e cuidado das igrejas temporais. O pastor deve ser reverente e submisso ao Senhor, preparando-se piedosamente na Palavra, a fim de ensinar e disciplinar a igreja, sendo porta-vozes da mensagem do evangelho. O pastor não deve apenas possuir conhecimento teológico e domínio bíblico, mas principalmente desenvolver vida e prática de oração, visto que o relacionamento do seu ministério com a igreja está abaixo do seu relacionamento  com o próprio Deus.

Em seguida, a obra aborda a eleição divina, e seu uso gramatical no Antigo Testamento e Novo Testamento. Deus elege os homens sem qualquer pressuposto inicial que não seja a Sua própria vontade soberana e graciosa. A eleição divina tem como pressupostos: (1) a depravação total do homem, tornando-o totalmente culpado e carente de méritos diante do Senhor, com os quais poderia justificar a sua escolha para salvação; (2) diferente do homem, Deus é totalmente livre e soberano, de forma que a Sua decisão de salvar ou não qualquer indivíduo não depende de qualquer critério alheio, Deus não consulta ninguém no processo da salvação, muito menos aquele que será salvo; (3) desde a fundação do mundo o plano da salvação já estava estabelecido, de forma que as ações e decisões do homem que foram posteriores ao decreto divino não tem qualquer poder de alterá-lo.

Portanto, na teologia de Calvino o Senhor é apresentado como o autor da salvação e eleição dos homens, de acordo com a sua livre e soberana vontade, que é eterna e imutável, baseada na justiça de Cristo, derramada de forma graciosa e incondicional sobre os eleitos de forma individual e irresistível. A eleição divina é justa, pois considera a necessidade de pagamento do pecado, a incapacidade do homem de quitá-lo e a benevolência do Senhor. 

Assim, segundo João Calvino, a eleição tem como objetivo abençoar os homens, salvando-os, para que Deus seja glorificado pelas suas obras de amor e misericórdia. Cientes de que fomos eleitos, não há nada que o homem possa oferecer a Deus, a não ser depositar a sua fé em Jesus Cristo e na verdade. Ao homem cabe o serviço a Deus e ao próximo como forma de amor, desenvolvendo uma vida de humildade e santidade como atos amorosos. 

Viver de acordo com a vontade de Deus não se torna um meio para obter a salvação, e sim uma consequência direta de ser salvo. Para Calvino, a partir do momento em que somos eleitos por Deus, que não considerou nossos pecados, devemos louvar e adorar Jesus como autor e consumador da nossa fé, proclamando a salvação com certeza da nossa vitória conquistada no Senhor, a fim de promover a glória de Deus entre as nações.

A obra também aborda a espiritualidade de João Calvino, e sua abordagem  sobre a oração, o qual deve estar firmada nas promessas do Senhor. Interessante que na visão de Calvino, a oração que não possui firmeza e convicção em seu cumprimento não é mais do que o ato de tentar ao Senhor. Devemos glorificar ao Senhor e dirigir a ele nossas súplicas convicto de que ele nos ouve e nos concede tudo aquilo do que precisamos. Devemos buscar refúgio nos momentos de oração e interceder uns pelos outros, conforme mandamento e exemplo do próprio Senhor Jesus.

O livro encerra com a ética social de Calvino, sua visão sobre a educação e o seu pensamento no tocante à ciência. Merece destaque a sua visão acerca da graça comum como fator de influência na cultura.

O livro, portanto, nos apresenta a pertinência do calvinismo para os tempos atuais. A obra serve para apresentar o que verdadeiramente foi defendido por João Calvino, e a extensão da sua contribuição para sociedade e igreja. Sua teologia sempre foi muito mais do que debate soteriológico, e a sua teologia nunca foi meramente especulativa, e sim dotada de um caráter de grande aplicabilidade pessoal e litúrgica.


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